domingo, 30 de agosto de 2009
Paciência - Sua Santidade, o 14º Dalai lama
sábado, 29 de agosto de 2009
Diz Sua Santidade, o Dalai Lama.
O ódio, a afeição ou a inveja desestabilizam o nosso espírito e impedem-no de se comportar com equanimidade em relação aos seres. Comportarmo-nos com equanimidade não significa sermos indiferentes ou não nos sentimos implicados no sofrimento dos outros. Adotar tal atitude conduz-nos, muito pelo contrário, a agir para com os outros de maneira igualitária, sem mostrarmos preferências ou rejeições, com compaixão e amor, e fazendo tudo o que está ao nosso alcance para ajudar todos os seres, sem distinção, a atingir o despertar.
A verdadeira prática não se manifesta nos locais de culto, mas no exterior, em sociedade, onde nos confrontamos com situações reais e com as pessoas que podem suscitar ódio, amor, compaixão, desejo. Praticar uma religião não consiste simplesmente em orar, mas em desenvolver as emoções positivas que são o amor altruísta, a compaixão, a bondade, a generosidade, o sentido das responsabilidades e em dar sem contar e sem esperar nada em troca a todos os que nos rodeiam, amigos e inimigos.
Habitualmente, esperamos de uma pessoa que auxiliamos que se mostre reconhecida, de uma qualquer maneira. Se não o fizer, podemos sentir crescer dentro de nós raiva, ressentimento, ou ainda vontade de a prejudicar. Se tivermos aprendido a trabalhar o espírito e a observar o que se passa dentro de nós, poderemos então interromper o processo em curso e pôr termo à emoção perturbadora que nos impele a reagir com violência. Torna-se ainda mais fácil de realizar se considerarmos a pessoa que nos enfrenta um mestre cujo papel consiste em nos ensinar a desenvolver a paciência e a compaixão. Pensemos nisto quanto formos levados a viver este tipo de situação e veremos que, uma vez transposto este passo, é cada vez mais fácil comportarmo-nos assim, desenvolver a paz de espírito.
Termos confiança em nós e nas nossas qualidades não significa que sejamos orgulhosos. É importantes termos confiança naquilo que somos, nos nossos talentos e capacidades particulares, de modo a desenvolver a fé na existência, na qual se apoiará a capacidade de gerar a bondade, a benevolência, a compaixão e o amor altruísta. A fé e a confiança são indispensáveis ao desenvolvimento das qualidades humanas. Constituem um terreno fértil onde crescem todas as sementes que dão origem às emoções positivas.
Via e-mail, de Portugal, por Helena Mello.
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
O que acontece quando todos blogam.
Por Rodrigo Martins, colaborou Ana Freitas
São Paulo, (Agência Estado) - Hoje todo mundo "bloga" - e assim, entre aspas mesmo. O formato surgiu há mais de uma década como versão digital de diários de viagem (blog é contração de weblog - e "log" é o termo em inglês para essas narrativas), chamou a atenção ao dar voz a uma geração especializada em falar sobre si mesma e mudou a internet ao permitir que qualquer um, mesmo sem conhecimento técnico, pudesse se autopublicar.
Tudo isso aconteceu e, no entanto, o blog não evoluiu como formato. E a grande novidade da internet no século 21 - a autopublicação - foi incorporada por quase todos os endereços da atual paisagem digital. YouTube, Flickr, Twitter, redes sociais, podcasts e agregadores de RSS são a base daquilo a que chamamos de web 2.0 (do conteúdo gerado pelo usuário).
Ao mesmo tempo, a chamada blogosfera cultivou seus autores, gente que viu ali chances de fazer sucesso - artístico, financeiro, profissional. Esses blogueiros regeram momentos-chave da cultura digital no Brasil.
Unidos em torno de um formato - eles se linkavam, discutiam e faziam do blog uma ponte para encontros presenciais -, os blogueiros causaram um ruído grande e organizado na rede, formando a entidade blogosfera.
Mas quando todos publicam online, seja onde for, esse movimento se quebra, certo? E o blog segue firme como ferramenta - hoje é possível blogar sem que seu site sequer pareça um blog.
"O blog não evoluiu rápido o suficiente e por isso agora ele parece lento demais", diz o ex-blogueiro Steve Rubel, que matou seu blog para adotar outro estilo de publicação. A aposentadoria de Rubel fez que muitos decretassem a morte do formato.
Exagero. Como sistema de publicação, ele persiste, mas agora orbita em um espaço em que há mais vozes e ruídos - desorganizados - em ambientes diferentes.
Uma foto no Flickr é tanto autopublicação como um link no Twitter ou mesmo um post num blog. A diferença é que os dois primeiros são mais rápidos. E que o blog, agora, não é mais o único nem o principal - é só a plataforma mais voltada para textos e para reunir tudo o que se publica de forma descentralizada pela web.
Foi assim que nasceu o www.alessandrolandia.com, do jornalista Alessandro Martins, que prova a sobrevida do blog nos novos tempos. Ele publica só links que posta em seus outros blogs. Para ele, é uma volta às origens. "Ainda é a ferramenta mais versátil".
terça-feira, 25 de agosto de 2009
sábado, 22 de agosto de 2009
A Integração – As qualidades naturais da mente
A compreensão – prajna – e a compaixão – bodhichitta, são conhecidas como os dois pólos fundamentais do ensinamento de Buda bem como as duas qualidades do despertar, da experiência de mahamudra.
A sabedoria, prajna, é o conhecimento da natureza da realidade, conhecimento da interdependência (e impermanência) de todas as coisas, o conhecimento, e a experiência da vacuidade. “Prajnaparamita”, a perfeição da sabedoria, é também conhecimento imediato ou cognição em si, sabedoria que se experimenta a si-mesma.
A compaixão pode se apresentar segundo três aspectos:
A compaixão com referência aos seres.
É a qualidade do coração que faz-nos, não somente, não ser indiferentes aos outros, mas sermos profundamente tocados e receptivos aos seus sofrimentos e à suas dificuldades. Esta compaixão vive-se na experiência da realidade do outro. É participar da realidade do outro com um coração e uma mente abertos.
A compaixão com referência à realidade.
Esta compaixão é a mais profunda que a primeira, no sentido em que ela vive a situação no conhecimento de sua natureza e compreende a ilusão que é a causa do sofrimento. Esta compaixão se vive participando realmente e profundamente um com o outro; é uma compaixão de comunhão íntima. Em seguida, a terceira é:
A compaixão sem referência.
Ela não tem objeto e nem porque, sem noção, sem idéia nem justificação. É uma compaixão que não é fabricada: ela não repousa em nenhum raciocínio nem sobre uma experiência de amante e amada nem sobre o que quer que seja. Esta compaixão sem referência é a do Budha, dos despertos. É a natureza mesma da experiência imediata, primordial e dela é indissociável. O desperto, vive a experiência primordial mahamudra, vive esta compaixão sem referência. Esta compaixão está no mais profundo de nossa vivência e ela manifesta-se naturalmente quando o eu, o indivíduo não habita mais esta experiência.
Na tradição do mahamudra-dzogchen, esta compaixão fundamental chama-se tuje, termo que traduzimos também por “sensibilidade”. “Compaixão” não é plenamente satisfatório. É um termo freqüentemente entendido como uma atitude condescendente e misericordiosa... ou de amor, porém numa experiência dual, enquanto tuje exprime esta experiência de sensibilidade fundamental que é duma receptividade e também de uma disponibilidade completa e perfeita, além de todo obstáculo e de toda a resistência. É uma experiência sem barreira nem obstáculos. Nesse nível, a compaixão não é mais uma resposta deliberada, mas uma adequação imediata, harmoniosa e espontânea à própria energia da situação.
Sua Santidade o Dalai Lama diz freqüentemente: “Podemos viver sem religião, mas não podemos viver sem compaixão”. Com efeito, podemos muito bem não aderir a uma religião enquanto pensamento filosófico, teológico, enquanto sistema de crenças ou de percepções do mundo, mas não podemos viver sadiamente sem esta dimensão de compaixão que procede, no que tem de fundamental, desta experiência primordial.
O ponto importante é que na experiência primordial, encontram-se ainda presentes também a compreensão que é compaixão desperta, assim como o amor e a sabedoria de um Budha.
Um último ponto importante a considerar é a integração do ponto de vista do mahamudra. Revendo as qualidades da mente: abertura, a claridade e a sensitividade.
Uma vez reconhecida, vivida a natureza vazia, luminosa e ilimitada, da mente sem obstáculos, é também reconhecida a natureza de suas manifestações: de seus pensamentos e de suas emoções. As emoções, os pensamentos e as paixões habituais são também, profundamente, vazias, luminosas e ilimitadas.
A prática de mahamudra não é parar, bloquear os pensamentos, as emoções, mas reconhecer sua natureza. Considerar os pensamentos como obstáculos e querer desenvolver um estado de meditação sem pensamentos, um estado de meditação no qual pensamentos e experiências seriam de algum modo suspensos: uma tranqüilidade pacífica onde tudo é colocado entre parênteses... Uma tal suspensão das experiências seria também uma espécie de inibição e finalmente de opacidade.
Kyabdje Kalu Rinpoche dizia que é possível meditar mahamudra assim, desenvolver um estado de repouso mental confortável... É agradável, mas é um estado em que falta lucidez, que é opaco e que não tem nada a ver com a experiência autêntica.
A energia do desejo, a paixão reconhecida em sua essência é uma energia livre que chamamos a “felicidade vazia”. Plenamente reconhecida, é liberada, e o que é condicionante e alienante torna-se uma energia livre que é a expressão da sabedoria e do despertar.
Assim as cinco emoções conflituosas básicas, transmutadas, são as “cinco sabedorias”:
- O desejo, o apego, torna-se então sabedoria do discernimento;
- O ódio, a agressividade, torna-se então a sabedoria semelhante ao espelho;
- A inveja, o ciúme torna-se então a sabedoria da realização;
- O orgulho, torna-se então a sabedoria da equanimidade;
- A opacidade mental, a ignorância, torna-se a sabedoria da esfera da vacuidade do dharmadatu.
Todas as manifestações da mente tornam-se então espontaneamente o jogo das cinco sabedorias. Nesta perspectiva, quanto mais matéria prima mais sabedoria. As emoções são ditas “madeira trazida para a fogueira da sabedoria”. Quanto mais madeira, mais a fogueira arde.
Do livro: DHARMA – La voie du Bouddha - Mahamudra-Dzogchen
Versão: Flávio Capllonch Cardoso
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
A Arte de Escutar
Skandha
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Dharma
“Outra maneira de olhar a natureza da existência é a partir do ponto de vista de nossa própria percepção, da maneira como experimentamos o mundo individual que cada um de nós habita. Todos os fenômenos que aparentam existir fora de nós estão também contidos dentro deste mundo, porque a nossa experiência real deles somente existe dentro de nossas mentes, intermediadas pelos sentidos. O budismo analisa esse reino da nossa experiência em termos de unidades básicas, ou dharmas, em sânscrito. Em um contexto budista, dharma no singular (muitas vezes começado com uma maiúscula) normalmente significa o ensinamento do Buda, mas esses dois significados da palavra compartilham um princípio subjacente e não são tão diferentes um do outro quanto parecem à primeira vista. Algumas vezes ao traduzir, a pessoa não sabe dizer qual dos dois significados foi pretendido e, algumas vezes, ambos estão implicados ao mesmo tempo.
A palavra dharma tem o sentido básico de manter e apoiar. Seu uso primário é para transmitir as idéias de lei, religião e dever que preservam a sociedade humana e são preservados por ela em uma relação recíproca. Em um nível pessoal significa o papel especial na vida que cada ser vivente nasceu para realizar – a verdade interior da pessoa, a lei pela qual alguém vive. Pode também significar a natureza inerente da qualidade de qualquer coisa, a lei que determina exatamente o que cada coisa é e faz. Assim como o dharma de um rei é reinar, o dharma do fogo é queimar. Nesse sentido, existem inúmeros dharmas, as leis fundamentais de tudo o que existe. Entre eles, certos elementos físicos e psicológicos em particular foram identificados no budismo como estando na raiz de nossa maneira de perceber o mundo.
A ligação entre dharma e os dharmas é a própria idéia de lei interior e verdade. O dharma ensinado pelo Buda revela a verdade sobre a existência, a lei final da vida. Dharma, a verdade em si, manifesta-se espontaneamente como os muito dharmas, as realidades fragmentadas da existência relativa, temporária. Eles tomam muitas formas, aparecem e desaparecem, ainda assim, em essência, nunca foram nda além da verdade.”
De “Vazio Luminoso” – Francesca Fremantle – Editora Nova Era – páginas 129 e 130
domingo, 9 de agosto de 2009
Destinos.
sábado, 8 de agosto de 2009
Dalai-Lama pede ajuda do presidente Lula
Jamil Chade - O Estado de S. Paulo
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
A bronca do Dalai Lama!
Os representantes das sanghas de São Paulo e de outras cidades do Brasil se reúnem no segundo andar do centro de convenções de um grande hotel na cidade. Há um largo corredor, bem comprido, e os presentes — talvez umas cento e oitenta pessoas ou mais — se reúnem em grupos de 30, para que seja possível fazer caber cada grupo em uma foto com o Dalai Lama. É quase hora de sua chegada, marcada para as 17:45, e várias sanghas cantam a oração de longa vida por Sua Santidade.
Ele surge pontualmente, com seus seguranças, que o acompanham por todos os países que visita, e também aqueles enviados pela polícia federal e militar. São vários, mais de dez, caminhando em torno dele, que se dirige mais ou menos para o meio do corredor e parai para perto de uma mesa de bufê, ao meu lado direito. Vou traduzi-lo do inglês, e ocasionalmente ele falará em tibetano. Para esse caso, à minha esquerda há outro tradutor, tibetano-inglês, que falará baixinho, em meu ouvido, o significado a ser traduzido para o português.
A aclamação é geral. Totalmente à vontade, o Dalai Lama apóia-se na mesa, sem se sentar na cadeira reservada a ele, e começa, de pé, a falar para os budistas e não-budistas que trabalharam na organização da sua visita ao país, essas pessoas todas, pertencentes a diversos centros budistas, centros filosóficos, equipes de filmagem, produção e divulgação, assessores de imprensa, etc. Mas a mensagem será mesmo dirigida principalmente aos budistas— vários deles já ordenados monges, ou sagrados lamas ou mestres... estou ao seu lado e cabe-me traduzir o que ele dirá. Terei que falar bem alto, para que todos possam me ouvir, até o final do corredor numa e outra direção. Sinto uma energia enorme, e apesar do momento exigir atenção e concentração, estou completamente tranqüilo, como sempre me sinto quando estou em sua presença. Demora um pouco até que cessem as palmas e mantras com que as pessoas o recebem... Ele pede então aos seguranças que se afastem, abrindo o caminho para que todos possam vê-lo, mesmo os que estão mais longe, e os homens de terno escuro diluem-se entre os presentes.
O Dalai Lama começa agradecendo a todos pelos esforços realizados para que ele esteja ali, conosco. Diz que vários já devem ter alguma familiaridade com o budismo, por estarem fazendo a prece pela sua longa vida. Está com a expressão tranqüila, mais para serena do que para sorridente. Está cansado, provavelmente, após um dia em que mal teve tempo de almoçar devido à quantidade de compromissos, entrevistas e palestras agendados para ele.
Entra então rapidamente no primeiro tema de sua fala: “outro dia, em nosso encontro no templo chinês [uma sessão de ensinamentos para o público budista realizada dois dias antes no Templo Zulai, em Cotia], em nossa sessão sobre o budismo, vi, naquele dia tão bonito, muitas pessoas com uma variedade enorme de roupas. Havia roupas do budismo zen japonês, roupas do budismo tibetano, roupas de monges tibetanos, roupas de monges de outras nacionalidades, roupas que eu nem sei quais eram... talvez roupas de outro planeta!” (risos gerais).
Sua expressão se altera um pouco. Sério, olha para baixo, como se estivesse procurando as palavras certas... os outros presentes estão absolutamente encantados com ele, inclusive os seguranças.
“Sou um pouco crítico quanto aos ocidentais que entram em contato com as tradições orientais, como por exemplo a budista, e começam a mudar seus hábitos exteriores. Primeiro, abandonam suas tradições de origem. Depois, mudam suas roupas, vestindo-se como os orientais se vestem. Em seguida, mudam os móveis de sua casa. Mudam seu comportamento, mudam seus gestos...
Vemos ocidentais que abraçam por exemplo o sikkismo, ou tornam-se hare krishnas, e de repente saem as ruas com o cabelo raspado, as vestes laranja no estilo oriental... acho que isso não é bom.”
O Dalai Lama diz que o Dharma não está nas roupas, não está no comportamento exterior, nos móveis... “prefiro pessoas que conservem suas tradições de origem e aprendam o que podem aprender com o budismo, aplicando suas novas descobertas dentro de sua maneira cultural própria. O budismo não está nas regras monásticas nem na aparência. Olhem para o nosso mestre, Buda Shakyamuni. Ele criou um conjunto de regras a serem seguidas, mas seu grande ensinamento está em conhecermos a nossa própria mente!
Talvez o que faz do budismo um caso quase único é que ele procura usar ao máximo a inteligência humana para transformar as emoções. E essa transformação não acontece através de preces, através de uma meditação unidirecionada. Não adianta fazer preces para os budas (o Dalai Lama faz um gesto unindo suas mãos e olhando para o alto) e ficar esperando que ocorra uma transformação mágica em suas emoções. Você pode fazer cem mil mantras om mani peme hum, fazer todo esse esforço, e achar que com isso já deve estar transformado, mas a mudança nesse caso só vai ocorrer se por acaso acontecer um milagre...”
A voz do Dalai Lama é cada vez mais forte, e seus gestos começam a adquirir expressividade. Se antes ele estava cansado, começo agora a sentir nele um vigor e energia extraordinários. Ele parece ter achado algo muito importante a dizer para os seguidores do budismo, e vai dizê-lo sem perder uma palavra sequer. O envolvimento é entre os presentes é ainda maior, e o silêncio é absoluto.
“A transformação demora para acontecer. Demanda muito esforço. O próprio Buda Shakyamuni demorou três eras inteiras para transformar suas emoções. Não vai ser fazendo alguns mantras que você acha que sua vida vai mudar totalmente! Eu tenho mais de setenta anos, quase setenta e um. Comecei a interessar-me realmente pelo BuddhaDharma quando tinha dezesseis anos, e só agora, talvez, minha mente esteja se tornando um pouco mais estável...
De nada adianta você fazer um retiro tradicional de três anos, três meses e três dias. Pode ser até que a sua mente, ao longo desse tempo, em vez de melhorar, piore... a única coisa certa que se pode dizer é que, depois desse tempo todo, seu cabelo vai crescer!” (risos gerais, mas um pouco contidos, porque a audiência percebe que o assunto é sério, e o puxão de orelha só começou...).
“O desenvolvimento e a transformação da mente requer muito esforço. Mas perceba aqui também que o esforço cego de nada adianta: ele tem que ser acompanhado pela sabedoria. Novamente, podemos orar para Buda, para Tara, Avalokiteshvara, fazer uma sadana... mas só há uma chance em um milhão de que isso baste para a sua transformação: se ocorrer um milagre. De outra forma, será realmente difícil atingir a mudança desejada.
Uma vez um aluno perguntou a um grande mestre tibetano do início do século vinte se deveria fazer um retiro de Manjushri de um mês, para melhorar a acuidade de suas percepções mentais. Esse mestre respondeu ao aluno que se ele fizesse o retiro, talvez houvesse alguma mudança; mas que se ele ocupasse esse mês estudando seriamente, era certo que sua mente iria mudar. Isto é MUITO importante.
Estudar é crucial. Já estamos trabalhando para que mais livros sobre o budismo tibetano sejam publicados na língua de vocês. Minha recomendação é: ESTUDEM! Estudem muito. Estudem e produzam textos, pequenos panfletos; não para venda, não para comércio, mas para fazer circular entre vocês. Leiam, discutam em pequenos grupos, escrevam e façam suas idéias circular entre todos do grupo maior. Estudar e discutir é essencial. É irreal ficar esperando que venha um lama, uma vez por ano, fazer um workshop com ele e um monte de iniciações, e depois nada mais, e esperar alguma transformação em sua mente. Isso não é suficiente. É necessário estudar regularmente. Ocasionalmente, se você se encontra com algum bom professor, e passa com ele uma ou duas semanas fazendo workshops, é ótimo, mas depois volte ao seu estudo regular e sistemático.”
Os presentes estão completamente atentos. O Dalai Lama chama a atenção de seus irmãos budistas: menos automatismo, mais reflexão, mais consciência! É um momento grave, e a mensagem é passada de maneira clara e inequívoca. Não há como fugir.
“Mas há um pequeno problema. No mundo de hoje, há vários “businessmen” que, visando obter dinheiro, dão ensinamentos religiosos. Isso acontece cada vez mais freqüentemente; ocorre muito na China, que importa “mestres” tibetanos, mas também no resto do mundo. Esses não são mestres genuínos. Apresentam-se como grandes mestres, mas não são. Seu propósito é unicamente o de obter dinheiro.
Uma vez, um senhor chinês se aproximou de mim e colocou-me esse problema. “Dalai Lama, faça algo por favor para conter esse fenômeno, esses falsos mestres”. Eu lhe disse que não há nada que eu possa fazer! A única coisa que pode funcionar é que, do lado do aluno, haja consciência de quais são as qualificações de um mestre verdadeiro, de um professor autêntico, e ele examine se a pessoa em questão as possui ou não possui. Isso é MUITO importante. Eu, por exemplo. Examinem-me, se como professor, eu tenho as qualidades necessárias! Eu também tenho que ser submetido a um exame!”
O Dalai Lama está completamente cheio de energia e vigor em suas palavras. Percebe-se que o assunto é de total importância, e ele realmente quer que todos entendam a importância do estudo e do empenho individual em transformar a mente, não de um modo mecânico, mas através da reflexão consciente.
Antes que eu acabasse de traduzir sua última fala, a mais longa, ele gentilmente me interrompe, mudando o rumo do seu pronunciamento.
“Mais uma coisa. Como eu já disse, meu terceiro compromisso é para com a causa tibetana, a nação tibetana. [O primeiro é com os valores humanos, e o segundo com a harmonia inter-religiosa.] O Tibet tem uma história muito longa, uma herança cultural viva e muito rica, e tem também sua própria escrita. Tudo isso tem mais de mil anos, tempo em que a tradição NALANDA do budismo foi mantida viva, nas regiões geladas das montanhas — como congelada num freezer. As tradições indianas sofreram muitos danos, mas a tibetana foi mantida intacta esse tempo todo. Há achados arqueológicos que atestam quanto tempo tem a cultura tibetana ancestral: mais de trinta mil anos!
Mas este cenário belíssimo, com as montanhas elevadas, traz também o quadro trágico: o de uma nação que está morrendo. Ainda não somos como o povo inca, que morreu totalmente, mas estamos morrendo. Ainda lutamos para sobreviver, mas se a situação presente se mantiver, a cultura tibetana e a nação tibetana perecerão, como aconteceu no caso dos incas. Neste momento, já está claro para todos que a cultura tibetana em sua forma pura já não existe no território tibetano — só existe na Índia, entre as comunidades no exílio.
O Tibet luta pela sua sobrevivência, buscando uma liberdade limitada; não apenas política, mas cultural. Se a luta pelo Tibet fosse unicamente uma questão política, eu, que no fundo sou um monge budista, não a teria abraçado. Se o fiz, é porque envolve a sobrevivência de nossa cultura, de nossa tradição, de nossa língua. Portanto, essa luta pela liberdade limitada, uma luta democrática pela preservação da cultura ancestral tibetana, de sua rica tradição — se ela é assim, considero que minha atuação nesse sentido é parte da minha prática espiritual.
É claro que nossa cultura ancestral, se comparada com o desenvolvimento das culturas contemporâneas, podia ser considerada atrasada em muitos aspectos. Assim, o Tibet pode beneficiar-se de estar sob a China, se houver modernização e progresso material.
A constituição chinesa prevê direitos próprios às diferentes etnias. Mas desde a ocupação, houve apenas um acordo entre o Governo Tibetano e o Governo Central da China envolvendo a preservação desses direitos; era um acordo para a liberação pacífica do Tibet, assinado na década de 50, e que nunca foi cumprido. Ainda nessa década, a própria ONU emitiu várias resoluções em que considerava o Tibet um caso especial; o governo chinês reconheceu esses acordos, na ocasião, mas também nunca os cumpriu. Fui a vários encontros com o “Camarada Mao”, mas isso não deu em nada...”
O Dalai Lama parece encher-se de lembranças, e sorri um pouco.
“Fiz muitos encontros, naquela época... provavelmente, em 1957, muitos de vocês não tinham nem nascido! Você, já era nascido? E você? Pois bem... naquele tempo eu era jovem, e fiquei enormemente atraído pelo “movimento revolucionário”. Acho que eu era, como dizer, um sujeito considerado... como dizer... perigoso: meio marxista, meio budista! [risos gerais]. O que acho do marxismo? acho que ele não é nem bom nem ruim. Minha impressão é de que o marxismo original tinha uma série de pontos muito interessantes, muito bons. Mas depois, quando se tornou apenas parte de um poder político e nacionalista, tudo isso se perdeu. Hoje, para mim, a China não tem mais qualquer conteúdo: não é mais ideológica. É apenas autoritária.
Assim, faço a todos meu pedido: a nação tibetana está morrendo — ajudem-nos, de todas as maneiras que puderem...
Meus amigos, meus irmãos e irmãs: agradeço enormemente seu interesse e seu envolvimento de coração com a cultura tibetana. Muito obrigado a todos!!!
O Dalai Lama, é longamente ovacionado. Enquanto traduzo sua fala final, vai a cada um dos grupos, e senta-se no meio das pessoas enquanto os fotógrafos, vários, procuram registrar o momento. Depois, acenando para todos, caminha até o fim do corredor, desaparecendo em direção aos seus aposentos...
domingo, 2 de agosto de 2009
"Vazio Luminoso" - Trechos marcados
"No estágio final, a essência mais interior do vajrayana, o próprio coração do tantra, se encontra no reconhecimento de que nunca fomos outra coisa que não despertos. Aqui não existe mais nenhuma necessidade de técnicas, de simbolismos ou de transformação. O praticante que terminou o caminho vive em uma condição de completa simplicidade e experiência direta da realidade."