-->

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Às vítimas da enchente em Santa Catarina


"Como desenvolver Boddhicitta.

A questão então é: 'Como cultivamos e desenvolvemos boddhicitta, a mente da iluminação?' A chave e a raiz são uma grande compaixão. Compaixão aqui,
refere-se a um estado mental que torna totalmente intolerável para nós ver o sofrimento dos outros seres sencientes. O caminho para desenvolvê-la é através do entendimento de como nos sentimos a respeito de nosso próprio sofrimento. Quando ficamos conscientes de nosso sofrimento, temos um desejo espontâneo de nos libertar dele. Se formos capazes de estender esse sentimento para todos os outros seres, por meio da realização do desejo instintivo comum que todos temos de evitar e superar o sofrimento, o estado mental é chamado de 'grande compaixão'.
Todos temos o potencial para desenvolver esse tipo de compaixão porque, sempre que vemos pessoas sofrendo, em especial aqueles que nos são próximos, na mesma hora sentimos empatia em relação a eles e testemunhamos uma reação espontânea dentro de nossa mente. Assim, tudo o que temos a fazer é trazer esse potencial à tona e, a seguir, desenvolvê-lo para que se torne tão imparcial que possa incluir todos os seres sencientes, sejam amigos ou inimigos.
Para cultivar a grande compaixão dentro de nós, antes de mais nada temos que desenvolver o que é chamado bondade amorosa, um sentimento de conexão ou proximidade com todas as criaturas vivas. Essa proximidade e intimidade não deve ser confundida com aquele tipo de sentimento que, em geral, temos em relação a quem amamos, que é maculado pelo apego. Esse apego, em função do qual pensamos: 'Esses são meus amigos... esses são meus parentes...', é baseado no ego e no egoísmo. Quando desenvolvemos a bondade amorosa, não somos instigados por esse raciocínio egoísta. Pelo contrário, buscamos desenvolver um sentimento de proximidade sobre o fato de que o sofrimento é inerente à própria natureza desses seres, sobre o desamparo de sua situação e sobre o desejo instintivo que todos têm de superar o sofrimento. Quanto maior for a força de nossa bondade amorosa em relação aos outros seres, maior a força de nossa compaixão. E, quanto maior a força de nossa compaixão, mais fácil será para que desenvolvamos um senso de responsabilidade para tomarmos para nós a tarefa de trabalhar pelos outros. Quanto maior o senso de responsabilidade, mais bem-sucedidos seremos em gerar boddhicitta, a genuína aspiração altruística de atingir o estado de buda para o benefício de todos.
Em segundo lugar, um fator importante no cultivo da compaixão é desenvolver um insight profundo de dukkha ou de como, nesse ciclo da existência como um todo, a própria natureza da vida é insatisfatória. Isso, de fato, está na primeira nobre verdade - a verdade do sofrimento. Se o nosso insight dessa verdade não for profundo o bastante, em vez de gerar compaixão pelos seres sencientes, poderemos sentir inveja daqueles que, por padrões mundanos, sejam considerados bem-sucedidos, ricos ou poderosos. Se tivermos emoções desse tipo, será um indicativo de que nossa percepção do sofrimento é rasa demais para nos permitir avaliar realmente a difusão do sofrimento nas vidas das pessoas presas ao círculo vicioso do samsara. Entretanto, se nosso entendimento do sofrimento for profundo o bastante, então desenvolveremos um senso espontâneo de quão intolerável é a vida nesse círculo da existência como um todo. Ter esse sentimento de 'intolerabilidade' é o que nos permitirá avaliar o sofrimento dos outros de modo mais espontâneo. Do contrário, nosso cultivo da compaixão será, de certa forma, hipócrita. Por mais que possamos pretextar ter compaixão pelos seres sencientes, bem no fundo, poderemos permanecer com inveja e ciúme das pessoas que são vistas como bem-sucedidas aos olhos do mundo.
Em resumo, a compaixão genuína é cultivada quando temos dois fatores dentro de nossa mente. O primeiro é um insight profundo de como o sofrimento é a natureza da vida no ciclo da existência em geral, junto com a sensação de sua intolerabilidade. O segundo é realizar a igualdade de nós mesmos com os outros: todos temos a tendência natural de buscar a felicidade e tentar evitar o sofrimento, bem como temos o direito natural de buscar a felicidade e tentar evitar o sofrimento. É essa realização que nos levará a trocarmos nós mesmos pelos outros, pois, embora todos compartilhemos dessa inclinação natural e direito comuns, a diferença está nos números. Quando estamos falando de nosso próprio bem-estar, não interessa o quanto possamos ser importantes, permanece a questão de ser um único indivíduo, enquanto os outros são infinitos em números. a partir desse ponto de vista, eles são bem mais importantes do que nós apenas.
Esses dois fatores da mente - um insight profundo do sofrimento, ligado à realização de que os outros são mais importantes do que nós mesmos - vão dar origem a um senso de responsabilidade para trabalharmos pelo benefício dos outros. Isso nos levará a gerar compaixão genuína dentro de nós mesmos."
Sua Santidade, o 14º Dalai Lama - Dzogchen - páginas 145 a 147.