-->

sábado, 22 de agosto de 2009

A Integração – As qualidades naturais da mente

Mahamudra Lineage Gurus - Click to enlarge
São inicialmente apresentadas neste texto as qualidades da experiência de Mahamudra e particularmente a presença natural da Grande Compaixão. Em seguida são introduzidos os princípios fundamentais da integração dos pensamentos e emoções conflituosas como auxiliares no caminho.
A compreensão – prajna – e a compaixão – bodhichitta, são conhecidas como os dois pólos fundamentais do ensinamento de Buda bem como as duas qualidades do despertar, da experiência de mahamudra.
A sabedoria, prajna, é o conhecimento da natureza da realidade, conhecimento da interdependência (e impermanência) de todas as coisas, o conhecimento, e a experiência da vacuidade. “Prajnaparamita”, a perfeição da sabedoria, é também conhecimento imediato ou cognição em si, sabedoria que se experimenta a si-mesma.
A compaixão pode se apresentar segundo três aspectos:
A compaixão com referência aos seres.
É a qualidade do coração que faz-nos, não somente, não ser indiferentes aos outros, mas sermos profundamente tocados e receptivos aos seus sofrimentos e à suas dificuldades. Esta compaixão vive-se na experiência da realidade do outro. É participar da realidade do outro com um coração e uma mente abertos.
A compaixão com referência à realidade.
Esta compaixão é a mais profunda que a primeira, no sentido em que ela vive a situação no conhecimento de sua natureza e compreende a ilusão que é a causa do sofrimento. Esta compaixão se vive participando realmente e profundamente um com o outro; é uma compaixão de comunhão íntima. Em seguida, a terceira é:
A compaixão sem referência.
Ela não tem objeto e nem porque, sem noção, sem idéia nem justificação. É uma compaixão que não é fabricada: ela não repousa em nenhum raciocínio nem sobre uma experiência de amante e amada nem sobre o que quer que seja. Esta compaixão sem referência é a do Budha, dos despertos. É a natureza mesma da experiência imediata, primordial e dela é indissociável. O desperto, vive a experiência primordial mahamudra, vive esta compaixão sem referência. Esta compaixão está no mais profundo de nossa vivência e ela manifesta-se naturalmente quando o eu, o indivíduo não habita mais esta experiência.
Na tradição do mahamudra-dzogchen, esta compaixão fundamental chama-se tuje, termo que traduzimos também por “sensibilidade”. “Compaixão” não é plenamente satisfatório. É um termo freqüentemente entendido como uma atitude condescendente e misericordiosa... ou de amor, porém numa experiência dual, enquanto tuje exprime esta experiência de sensibilidade fundamental que é duma receptividade e também de uma disponibilidade completa e perfeita, além de todo obstáculo e de toda a resistência. É uma experiência sem barreira nem obstáculos. Nesse nível, a compaixão não é mais uma resposta deliberada, mas uma adequação imediata, harmoniosa e espontânea à própria energia da situação.
Sua Santidade o Dalai Lama diz freqüentemente: “Podemos viver sem religião, mas não podemos viver sem compaixão”. Com efeito, podemos muito bem não aderir a uma religião enquanto pensamento filosófico, teológico, enquanto sistema de crenças ou de percepções do mundo, mas não podemos viver sadiamente sem esta dimensão de compaixão que procede, no que tem de fundamental, desta experiência primordial.
O ponto importante é que na experiência primordial, encontram-se ainda presentes também a compreensão que é compaixão desperta, assim como o amor e a sabedoria de um Budha.
Um último ponto importante a considerar é a integração do ponto de vista do mahamudra. Revendo as qualidades da mente: abertura, a claridade e a sensitividade.
Uma vez reconhecida, vivida a natureza vazia, luminosa e ilimitada, da mente sem obstáculos, é também reconhecida a natureza de suas manifestações: de seus pensamentos e de suas emoções. As emoções, os pensamentos e as paixões habituais são também, profundamente, vazias, luminosas e ilimitadas.
A prática de mahamudra não é parar, bloquear os pensamentos, as emoções, mas reconhecer sua natureza. Considerar os pensamentos como obstáculos e querer desenvolver um estado de meditação sem pensamentos, um estado de meditação no qual pensamentos e experiências seriam de algum modo suspensos: uma tranqüilidade pacífica onde tudo é colocado entre parênteses... Uma tal suspensão das experiências seria também uma espécie de inibição e finalmente de opacidade.
Kyabdje Kalu Rinpoche dizia que é possível meditar mahamudra assim, desenvolver um estado de repouso mental confortável... É agradável, mas é um estado em que falta lucidez, que é opaco e que não tem nada a ver com a experiência autêntica.
A energia do desejo, a paixão reconhecida em sua essência é uma energia livre que chamamos a “felicidade vazia”. Plenamente reconhecida, é liberada, e o que é condicionante e alienante torna-se uma energia livre que é a expressão da sabedoria e do despertar.
Assim as cinco emoções conflituosas básicas, transmutadas, são as “cinco sabedorias”:
- O desejo, o apego, torna-se então sabedoria do discernimento;
- O ódio, a agressividade, torna-se então a sabedoria semelhante ao espelho;
- A inveja, o ciúme torna-se então a sabedoria da realização;
- O orgulho, torna-se então a sabedoria da equanimidade;
- A opacidade mental, a ignorância, torna-se a sabedoria da esfera da vacuidade do dharmadatu.
Todas as manifestações da mente tornam-se então espontaneamente o jogo das cinco sabedorias. Nesta perspectiva, quanto mais matéria prima mais sabedoria. As emoções são ditas “madeira trazida para a fogueira da sabedoria”. Quanto mais madeira, mais a fogueira arde.

Do livro: DHARMA – La voie du Bouddha - Mahamudra-Dzogchen
Versão: Flávio Capllonch Cardoso