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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Casamento e as Seis Perfeições

Os votos de casamento não são apenas parte de uma cerimônia externa. Mais importante do que isso, eles representam um compromisso interno, mental. Para entender como manter esse compromisso através de suas vidas, vocês precisam entender a estrutura maior destes votos.

Entre os muitos tipos de seres no universo, como seres humanos nós atingimos uma situação muito rara e afortunada, uma base de trabalho única para o desenvolvimento espiritual. Entretanto, se não reconhecermos a preciosidade de nossa vida humana, podemos desperdiçá-la — como alguém que encontra um pedaço de ouro mas, não reconhecendo o seu valor, faz mau uso dele, talvez como um encosto de porta. Somos agora como o minério de ouro não refinado, não reconhecendo que nossa natureza verdadeira é como o ouro. Usando bem esta oportunidade, podemos refinar o minério para revelar a pureza de nossa natureza inerente, que é como o ouro.

Em seu casamento, um pode apoiar o caminho espiritual do outro e pode ajudar a garantir que o potencial de suas vidas humanas não seja desperdiçada. Isto é muito importante pois a oportunidade que vocês têm como seres humanos é muito breve. É natural que aspirem a estar juntos por um longo tempo, mas vocês não podem saber o quanto suas vidas ou o seu relacionamento durará. Tudo em nossa experiência é impermanente. Uma vez, este universo que habitamos não estava aqui, e um dia ele novamente será reduzido a nada. Uma vez, nosso próprio corpo físico não estava aqui, e um dia ele novamente será perdido. Das muitas pessoas que viveram nesta terra há cem anos atrás, quantas estão aqui agora? E destas, quantas estarão aqui daqui a cem anos? Se entenderem a impermanência, vocês entenderão a importância de usar bem o seu tempo juntos.

Desde o início do seu caminho, vocês precisam pensar claramente sobre a direção que querem tomar. O que é mais importante não é tanto estar juntos, mas sim como vocês passarão o seu tempo juntos. Casamento significa fazer um compromisso de agora em diante, para o resto de suas vidas, de viver juntos em harmonia, com alegria, amor e afeição, e com a intenção de beneficiar um ao outro o quanto for possível. Isto significa a aspiração, dia a dia, de colocar a felicidade do seu cônjuge antes da sua própria felicidade. Tanto no nível mundano quanto no espiritual, um deve decidir encontrar as necessidades do outro e contribuir para o crescimento espiritual do outro. O amor genuíno e abnegado que um expressa pelo outro criará uma virtude que os conduzirá à felicidade nesta vida e que plantará as sementes para a felicidade futura.

Cada um de vocês escolheu o outro entre todas as flores neste jardim terreno. Então é importante que vocês abordem o casamento com um senso de altruísmo, de beneficiar um ao outro o quanto for possível, na alegria e na tristeza, na felicidade e na infelicidade. Se o homem entra no relacionamento pensando, "Esta mulher é agora a minha esposa, está pronta para ela me fornecer o que preciso, para me fazer feliz", ou se a mulher pensa, "Este homem é agora o meu marido, ele me deve felicidade, ele deve me satisfazer" — essas expectativas apenas criarão problemas. Ao invés de um demandar isto para o outro e de esperar algo para si mesmo, façam disto o seu compromisso de um para o outro, assumindo a responsabilidade de garantir a felicidade do seu cônjuge. Sempre mantenham em mente sobre como o que vocês dizem ou fazem pode afetar o outro. Aprendam o que é condutivo para a felicidade e paz mental do outro.

Se ambos tiverem uma preocupação com a felicidade do outro, vocês nunca poderão ser separados. Seu elo não poderá ser quebrado.

Se, por outro lado, vocês colocarem a responsabilidade de sua felicidade sobre o seu cônjuge, se vocês sentirem que ele ou ela deve algo a você, vocês verão apenas as suas faltas. Se a sua motivação fundamental for esperar que o outro o faça feliz, o seu casamento não será tão fácil e a sua felicidade não durará muito. Abordar o casamento com um ponto de vista auto-centrado automaticamente estabelece uma circunstância que vai atravessar o bem maior que é possível. Mas se a sua motivação for a de levar o outro à felicidade, ambos serão felizes a curto e longo prazo e trarão felicidade àqueles ao redor de vocês. Este é o significado do sucesso tanto no sentido espiritual quanto no mundano.

A felicidade que experienciamos na vida depende muito da nossa motivação. E nossa motivação é tão importante no casamento quanto em qualquer outro empreendimento humano. Apesar de uma motivação altruísta não ser a mesma coisa que bodhichitta, que tem um escopo muito mais vasto — o benefício temporário e último para todos os seres —, ela é uma maneira de praticar o não-eu de um modo bem direto, com a pessoa bem ao seu lado. E vocês podem usar o relacionamento com seu cônjuge como um modelo para os seu relacionamento com todos.

A fim de manter o seu compromisso, vocês devem estar preparados para enfrentar os obstáculos com firmeza. Apesar de aspirarmos o divino, a fricção pode ocorrer. Nenhum de nós é perfeito. Em nossos relacionamentos, muitas vezes experienciamos emoções negativas, trivialidades, pensamentos auto-centrados e todos os tipos de estados físicos e mentais, alguns agradáveis, outros desagradáveis. Estas coisas colocarão nosso compromisso à prova — ele deve ser capaz de resistir ao que quer que venha. O mais importante não é o que surge, mas como vocês lidam com o que surge, como vocês trabalham para garantir que o seu casamento durará por toda a vida.

Façam o voto de ajudar um ao outro, de um ser amigo do outro, sob todas as circunstâncias. Quando as dificuldades ocorrerem, não importa o quão grandes ou pequenas, não façam disto uma grande coisa. Lembrem-se que o seu cônjuge é um ser humano, não um deus. Focalizem sobre as boas qualidades do outro e não se prendam sobre as dificuldades. Quando um problema surgir, lembrem-se de que todos nós somos humanos e o coloquem de lado. Durante tempos difíceis, lembrem-se que a sua união é por toda a vida; vocês devem o melhor a ela. Não tenham tempo para discutir. Acima de tudo, achar que vocês estão certos e que os outros estão errados é uma das delusões que perpetuam o sofrimento. Ao invés disso, sejam pacientes e se lembrem que a única coisa de benefício na hora da morte será a virtude criada nesta vida. Se vocês mantiverem esta perspectiva no dia a dia, as discordâncias serão resolvidas e vocês desenvolverão paciência, amor, compaixão e aceitação, qualidades que fortalecerão o seu relacionamento.

Sua motivação altruísta no casamento corporifica a primeira das seis perfeições — a generosidade, a prática que é um dos modos mais excelentes de acumular mérito e de aumentar as qualidades virtuosas. Através do amor e do compromisso que vocês trazem um ao outro nesta ocasião e no futuro, quando um mantém seu amor para o outro em seu coração, quando um fala do seu amor para o outro, quando vocês trocam alianças como símbolo físico do seu elo, vocês estão expressando a qualidade da generosidade. Seu compromisso, de agora em diante, de usar seu corpo, fala e mente para fazer um ao outro feliz é mais uma expressão dessa generosidade.

Vocês também trazem ao casamento a segunda perfeição, a disciplina moral. Isto significa viver juntos de acordo com as disciplinas superiores, eliminando hábitos que não estão servindo ao relacionamento, eliminando o comportamento é insignificante, egoísta e desarmonioso, e acentuando as qualidades positivas e abnegadas como a bondade amorosa, que traz um benefício ainda maior. Seu caminho espiritual é de virtude, trazendo alegria e felicidade aos outros e refreando as ações descuidadas que possam causar dano ou infelicidade. Como praticantes, vocês devem usar seu corpo, fala e mente para guardarem a si mesmos, para guardar o seu relacionamento contra quaisquer obstáculos potenciais ou negatividade, e para se esforçarem em beneficiar habilmente um ao outro. Se o seu foco estiver sobre as necessidades do seu cônjuge, vocês já encontraram um meio muito poderoso de evitar problemas.

Não há dúvida de que a vida casada é um desafio. Não se mantenham sobre uma idéia fixa sobre como o relacionamento deva funcionar, e ao invés disso aprendam como não perturbar o outro, como atingir alegria e harmonia maiores e maiores. Quando surgirem coisas que vocês não gostam, trabalhem a aversão em suas próprias mentes no contexto de sua prática do Dharma, ao invés de tentarem fazer o seu cônjuge mudar.

Isto também é muito importante se vocês decidirem ter filhos. Se um tratar o outro com respeito e amor, e tentar resolver pacificamente quaisquer problemas que surjam, seus filhos terão um papel modelo para o desenvolvimento de seus próprios relacionamentos positivos e com sucesso.

A terceira perfeição, a paciência, é uma das qualidades mais importantes que vocês podem trazer ao seu casamento. Façam o compromisso de sempre manter harmonia e de lembrar que, independente das mudanças externas ou emocionais pelas quais o seu cônjuge esteja passando, ele ou ela não é um buddha. Seu cônjuge é um ser humano lidando com seus próprios problemas. Tentem se relacionar com isso com compaixão e paciência, focalizando o elo entre vocês ao invés de focalizar os problemas. Tentem não se tornar perturbados pelas dificuldades que inevitavelmente surgem quando as pessoas vivem juntas. Pelo menos não se fixem sobre elas; ao invés disso, tentem imediatamente resolvê-los.

Sua prática da paciência trará grande benefício a curto e a longo prazo no contexto de seu casamento. Quando vocês praticam a virtude, especialmente uma virtude tão poderosa quanto a paciência, ela infalivelmente resultará em grande felicidade no futuro, o que pode ser chamado a experiência do céu ou da terra pura. Através da raiva — cortando os sentimentos do seu parceiro —, através do desejo egoísta — não pensando sobre o que poderia fazer o seu cônjuge feliz, mas apenas sobre os seus próprios desejos auto-centrados — e através da ignorância — falhando em entender qual comportamento é verdadeiramente prejudicial e qual é verdadeiramente útil —, vocês criarão sofrimento a curto e a longo prazo. O céu e o inferno não são lugares que existem fora de vocês. Ao invés disso, eles são os reflexos da positividade e da negatividade de suas própria mentes.

Manter o compromisso que um faz para o outro, como marido e esposa, requer diligência, a quarta perfeição. Vocês precisam de um esforço incansável para permanecerem verdadeiros em sua conexão, trabalhando tanto no contexto mundano quanto no contexto de sua prática espiritual para um ajudar ao outro a encontrar suas metas e para trazer benefício a vocês mesmos e a os outros. Todos os tipos de companhia no caminho são cruciais para o nosso desenvolvimento como praticantes espirituais, e as qualidades de nossos amigos podem nos influenciar grandemente. É por isso que é importante que vocês usem o seu casamento como uma oportunidade para ajudar a prática de Dharma do outro, nunca permitindo que as ações, palavras ou atitudes de cada um tornem-se obstáculos para a sua prática espiritual. Isto requer prática espiritual diligente, tentando não apenas uma ou duas vezes, mas durante toda a sua vida juntos, para realizar estas metas espirituais.

Sempre estar atentos ao seu elo, estimando-o em seus corações e nunca deixando-o ir, envolve a quinta perfeição, a estabilidade meditativa. Isto significa focalizar unidirecionadamente sobre o que traz felicidade duradoura para vocês mesmos e para os outros. A beleza física não durará para sempre. Não focalizem sobre ela. Lembrem-se que tudo neste mundo está sujeito à decadência. Tudo que é composto, que vem junto, eventualmente perece. Mas na hora em que vocês estiverem juntos, vocês podem trazer felicidade um ao outro, podem criar virtude e podem ajudar a sua prática espiritual e a do seu cônjuge. Apesar de esta vida poder ser muito curta, a conexão que vocês estabelecem através do seu envolvimento positivo e virtuoso juntos e através de sua prática espiritual continuará a beneficiar ambos em vidas futuras.

Finalmente, vocês trazem ao casamento a sexta perfeição, a da sabedoria ou conhecimento transcendente. Independente das alegrias e tristezas que vocês experienciem como indivíduos ou como um casal, lembrem-se que estes eventos passageiros são como ecos, ilusões que vêm e vão, que nada do que vocês experienciam tem qualquer existência inerente. A experiência de nossa inteira é como um sonho cheio de alegria e tristeza, felicidade e infelicidade. Assim como quando despertamos de manhã e vemos que nada realmente aconteceu, podemos olhar para trás, para todas as experiências de nossas vidas, e ver que elas eram ilusórias. Os muitos momentos de felicidade ou tristeza — todos se foram agora.

Entender a natureza mais profunda de nossa experiência não significa que diminuímos nossas experiências felizes. Ainda regozijamos, mas ao mesmo tempo realizamos que elas não são tão reais quanto uma vez pensamos. Quando estamos infelizes, nos lembramos que nossa felicidade também é impermanente. Esta perspectiva nos ajuda a reduzir nosso apego às coisas acontecerem de certo modo, assim como a nossa aversão às dificuldades. Realizamos que não são as condições externas que são responsáveis pela nossa felicidade ou infelicidade, mas sim o modo como reagimos a estas experiências externas. Isto traz aceitação e equilíbrio às nossas vidas.

Tentem manter um estado desperto ininterrupto de sua própria natureza, que está além dos extremos da felicidade e tristeza, prazer e dor, esperança e medo. Apesar de poderem parecer pessoas bem comuns, se vocês tiverem uma conexão interior com a essência de sua prática, mesmo quando forem ao trabalho diário vocês atingirão algo muito poderoso e muito benéfico. Se vocês mantiverem esta visão, não importa realmente onde vivem, o que vestem ou como agem.

A perfeição da sabedoria, em seu sentido mais profundo, é corporificada na união do masculino e do feminino, que é fundamental para o caminho espiritual do Buddhadharma. O aspecto manifesto de toda aparência fenomenal corresponde ao princípio masculino dos meios hábeis, e a natureza verdadeira desses fenômenos, a vacuidade, corresponde ao aspecto feminino da sabedoria ou conhecimento transcendente. Se examinarmos qualquer elemento de nossa experiência, descobriremos que é vazio de auto-natureza; porém, as coisas ainda sim aparecerem. Forma e vacuidade, vacuidade e forma existem em união uma com a outra. O entendimento da inseparabilidade da vacuidade dos fenômenos e de sua aparência é a qualidade do conhecimento transcendente, que pode ser cultivada e nutrida durante sua vida juntos.

Na sociedade humana, o elo entre mulheres e homens é a expressão dessa verdade mais profunda, sendo o casamento uma expressão dessa harmonia. Isto traz uma dimensão cada vez mais profunda ao casamento de dois indivíduos que estejam envolvidos com o caminho do Dharma porque eles têm um meio de incorporar em suas vidas esta união do masculino e do feminino, sobre a qual os ensinamentos estão fundados.

Se vocês permanecerem verdadeiros para a visão de sabedoria em seu casamento e, durante sua vida juntos, sempre trabalharem para trazer maior benefício a vocês mesmos e aos outros, a curto e longo prazo, seu relacionamento produzirá nada mais que felicidade nesta vida e nas vidas futuras, e sua união corporificará a essência e os princípios do Dharma sagrado.

Este livreto foi produzido a partir das transcrições de cinco cerimônias de casamento conduzidas por Sua Eminência Chagdud Tulku Rinpoche entre 1988 e 1993.