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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

"A Arte de Lidar com a Raiva - O Desafio da Paciência" - Sua Santidade, o Dalai Lama - Trechos escolhidos por mim


Introdução de Geshe Thupten Jinpa

"Uma história popular que os mestres tibetanos gostam de contar a seus discípulos, narra o encontro de um eremita com um pastor. O eremita vivia sozinho nas montanhas. Certo dia, um pastor passou perto de sua caverna. Intrigado, perguntou-lhe:
- O que está fazendo sozinho no meio do nada?
Ao que o eremita respondeu:
- Estou meditando.
-Meditando sobre o quê?
- Sobre a paciência.
Houve um momento de silêncio. Depois de algum tempo, o pastor resolveu ir embora. Ao se virar, olhou para trás e gritou:
- Antes que eu me esqueça, vá para o inferno!
- Como ousa me falar assim? Vá você para o inferno!
O pastor riu e lembrou ao eremita que ele deveria por em prática a paciência.
Essa história simples ilustra maravilhosamente o desafio principal para quem deseja praticar a paciência: numa situação em que normalmente haveria uma explosão de raiva, como podemos manter a espontaneidade e, ao mesmo tempo, permanecermos calmos na reação? Esse desafio não restringe somente aos que praticam uma religião. É um desafio que cada qual enfrenta ao tentar viver sua vida cotidiana com algum grau de dignidade humana e decência. Quase que a cada passo, deparamos com situações que testam os limites de nossa paciência e tolerância. Seja na família, no ambiente de trabalho ou simplesmente quando interagimos com outros, muitas vezes nossos preconceitos são revelados, as convicções contestadas e a auto-imagem ameaçada. É num momento assim que nossos recursos interiores são mais necessários.
(...) A história também nos diz que a paciência não é algo a ser cultivado isolando-se dos outros. Na verdade, é uma qualidade que só pode surgir no contexto de nossa interação com outros, especialmente com outros seres humanos. A reação espontânea do eremita demonstra que seu desenvolvimento interior era tão instável quanto o castelo de areia de uma criança. Uma coisa é se entregar a doces pensamentos de tolerância e compaixão em relação aos outros no ambiente incontestado da solidão, mas é muito diferente de corresponder a esses ideais nas interações do dia-a-dia com pessoas de verdade. É claro que não se deve subestimar a importância da meditação silenciosa. Essas práticas solitárias interiorizam percepções que sob outros aspectos permaneceriam no nível do conhecimento intelectual. E, como a maioria das tradições religiosas indianas, o budismo defende a meditação como elemento fundamental para o caminho espiritual. Mas persiste o fato de que o verdadeiro teste de paciência só ocorre no contexto da interação com os outros. (...) a paciência genuina só se desenvolve depois que se adquire algum grau de controle sobre a própria raiva."

Trecho de “A Descoberta do Mundo” - do http://blog.antesdeparis.com.br/category/frases-da-clarice-lispector/

As Três Experiências - Clarice Lispector


Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou a minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. "O amar os outros" é tão vasto que inclui até o perdão para mim mesma com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida . Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.
E nasci para escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que, foi esta que eu segui. Talvez porque para outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E no entanto cada vez que eu vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.
Quanto aos meus filhos, o nascimento deles não foi casual. Eu quis ser mãe. Meus dois filhos foram gerados voluntariamente. Os dois meninos estão aqui, ao meu lado. Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angústias, eu lhes dou o que é possível dar. Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo. Mas tenho uma descendência, e para eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia. Sei que um dia abrirão as asas para o vôo necessário, e eu ficarei sozinha: É fatal, porque a gente não cria os filhos para a gente, nós os criamos para eles mesmos. Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres.
Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é meu lote neste mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.
Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse a minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.
Clarice Lispector

Meus favoritos de Lispector


“Sou um homem que tem mais dinheiro do que os que passam fome, o que faz de mim, de algum modo, um desonesto”.
“... mas sem fazer estardalhaço de minha humildade, que já não seria humildade”.
“O dia de hoje e o dia de amanhã será um hoje; a eternidade é o estado das coisas neste momento”.
“Isso será coragem minha, a de abandonar sentimentos antigos, já confortáveis”.
“A palavra não pode ser enfeitada e artisticamente vã; tem que ser apenas ela”.
”Existir não é lógico.“
“O que eu vou escrever já deve estar, na certa, de algum modo, escrito em mim”.
“Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias”.
“Se der para me entenderem está bem. Se não, também está bem”.
“Quando acaricio a cabeça do meu cão sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique”.
“... assim como um cachorro não sabe que é cachorro”.
"Já que sou, o jeito é ser.”
“Para que escrevo? E eu sei? Sei não”.“Quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial”.