IARA BIDERMAN colaboração para a
Folha de S. Paulo RACHEL BOTELHO da Folha de S.Paulo
Um: as chaves de casa. Dois: o
celular. Três: a agenda. Quatro: a senha do banco. Cinco: o problema. A senha
mudou e por nada nesse mundo você consegue se lembrar da combinação de números
e letras que deve digitar. Mas lembra-se perfeitamente bem de estar na
meia-idade (mais de 40 e menos de 60 anos) e de já ter ouvido que as perdas
cognitivas começam nessa fase da vida. Isso é verdade e, mais importante,
inexorável?
Segundo Cathryn Jakobson Ramin,
autora do livro "Esculpido
na Areia" (352 págs, R$ 49,90, ed. Objetiva), lançado recentemente no
Brasil, a perda da memória nessa fase da vida é um fato. Ao perceber que sua
memória estava falhando bem mais do que o razoável para uma profissional ativa
e que acabara de chegar à meia-idade, a jornalista norte-americana decidiu
investigar o fato. Após saber que seus amigos também passavam pelo problema,
testou métodos e tratamentos para desenvolver essa função cerebral. No livro,
ela conta sobre a descoberta de que é possível preservar e até resgatar a
memória perdida. Para a fonoaudióloga Ana Alvarez, autora de "Deu um
Branco" (144 págs., R$ 22,90, ed. Record), entre a quarta e a quinta
década de vida a velocidade para prestar atenção, processar informações
simultâneas e acessar lembranças diminui. "Começamos a ter uma perda da
capacidade dos órgãos de sentidos. É, por exemplo, o que ocorre com a audição,
que “perde" informações, principalmente se há estímulos auditivos
simultâneos. O deficit no recebimento das informações resulta em menor fixação
na memória." Segundo ela, todo o processo começa junto: a menor velocidade
do processamento sensorial e a necessidade de prestar mais atenção quando se
está recebendo informações sonoras ou visuais demanda mais esforço para
armazenar, fixar e evocar lembranças. "As funções cognitivas perdem
velocidade, o processo neural começa a não ser como antes. Mas isso pode ser
revertido: é possível criar novas conexões neurais com exercícios específicos e
medidas como garantir a qualidade do sono", afirma Alvarez, que trabalha
com reabilitação cognitiva de pacientes em São Paulo. "O cérebro é um
órgão plástico. Se você o faz trabalhar, criam-se novas conexões neuronais.
Isso aumenta a reserva cognitiva do indivíduo, incluindo a memória", diz
Katia Osternack, neuropsicóloga e professora da Universidade Anhembi Morumbi.
Osternack afirma que, a partir dos 40 anos, já é esperada uma perda sutil da
memória, mas medidas de prevenção podem mudar esse curso. Exercitando o
intelecto Exercícios cognitivos e físicos, aprender coisas novas, alimentação
saudável e controle do estresse são atitudes preventivas que, segundo a
neuropsicóloga, deveriam ser tomadas durante toda a vida. Há cerca de um ano e
meio, a arquiteta Cândida Tabet, 52, percebeu que, do mesmo modo que exercita o
corpo, deveria exercitar o intelecto. "A ideia era prevenir. Quero ser
dona de minha inteligência e, para isso, percebi que devia trabalhar a atenção
e a memória." Desde então, Cândida inclui em seu dia a dia várias
atividades, que vão de jogos de computador a curso de línguas, além de prestar
mais atenção ao sono e levar a academia a sério. "O efeito é
extraordinário. Fiquei muito mais atenta e rápida para memorizar e lembrar."
Para o neurologista Martín Cammarota, um dos coordenadores do Centro de Memória
da PUC-RS, os lapsos não ocorrem somente na maturidade, mas é nessa fase que
costumam trazer mais consequências. "Isso está relacionado ao ritmo de
vida agitado e ao número de coisas que uma pessoa dessa idade tem que
fazer", afirma. "De modo geral, o esquecimento relativo a atividades
rotineiras é resultado da falta de atenção, que está centrada em problemas
considerados fundamentais." O psiquiatra Cássio Bottino, do Instituto de
Psiquiatria do HC de São Paulo, avalia que até os 60 anos as pessoas conseguem
manter o desempenho da memória bem próximo do que era quando jovens.
"Realizamos o projeto Clínica da Memória, aberto para pessoas a partir dos
18 anos. O que vimos é que, abaixo dos 60, a maioria que tinha queixas sobre a
memória não tinha alterações. O que havia era muita ansiedade em relação ao
desempenho." Bottino acredita que, em geral, as dificuldades com memória
antes dos 60 anos estão relacionadas a outras causas, como depressão ou
transtornos de ansiedade, incluindo estresse. Na opinião do neurologista Cícero
Galli Coimbra, da Universidade Federal de São Paulo, a perda é "plenamente
evitável", desde que a pessoa mude sua reação ao estresse e mantenha o
cérebro em atividade. Segundo ele, o estilo de vida atual favorece o surgimento
de doenças neurodegenerativas. "O fator emocional é o mais importante. O
estresse bloqueia a produção de novos neurônios e facilita a degeneração dos
que a pessoa já possui", justifica. Nas palavras de Cammarota,
"desarranjos de ordem psíquica se cruzam com outro de memória. Se brigou
com o namorado, por exemplo, a pessoa pode estar deprimida e não prestar
atenção a coisas de que lembraria normalmente". Ele também defende que,
para a maioria das pessoas com menos de 65 anos, a perda de memória não está
relacionada a uma doença degenerativa. "Se você não se lembra de quem é
sua mãe, eu me preocuparia, mas esquecer a reunião é normal. Para isso, há as
agendas." Bottino lembra que outras doenças, como hipotireoidismo, podem
causar problemas de memória. No caso, é preciso tratar a doença de base.
Problemas no sistema circulatório, além de elevarem o risco de acidente
vascular cerebral, também aumentam o risco de danos cognitivos no futuro. A
perda de memória associada ao envelhecimento do tecido nervoso ocorre a partir
dos 65 anos. Com essa idade, 1% da população já apresenta demência e, a cada
cinco anos, a porcentagem duplica, segundo Coimbra. Em todos os casos, e em
qualquer idade, os especialistas afirmam que o envelhecimento cerebral pode ser
retardado, que é possível recuperar perdas da reserva funcional do cérebro,
formar novas conexões e ter um desempenho melhor. "Cuidar do corpo como um
todo, praticar atividades físicas e intelectuais estimulantes são passos
fundamentais para isso", diz Bottino. Desses conselhos, é bom não se
esquecer.