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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

FALHAS DE MEMÓRIA SE ACENTUAM NA MEIA-IDADE - SAIBA COMO EVITAR.


IARA BIDERMAN colaboração para a Folha de S. Paulo RACHEL BOTELHO da Folha de S.Paulo
Um: as chaves de casa. Dois: o celular. Três: a agenda. Quatro: a senha do banco. Cinco: o problema. A senha mudou e por nada nesse mundo você consegue se lembrar da combinação de números e letras que deve digitar. Mas lembra-se perfeitamente bem de estar na meia-idade (mais de 40 e menos de 60 anos) e de já ter ouvido que as perdas cognitivas começam nessa fase da vida. Isso é verdade e, mais importante, inexorável?


Segundo Cathryn Jakobson Ramin, autora do livro "Esculpido na Areia" (352 págs, R$ 49,90, ed. Objetiva), lançado recentemente no Brasil, a perda da memória nessa fase da vida é um fato. Ao perceber que sua memória estava falhando bem mais do que o razoável para uma profissional ativa e que acabara de chegar à meia-idade, a jornalista norte-americana decidiu investigar o fato. Após saber que seus amigos também passavam pelo problema, testou métodos e tratamentos para desenvolver essa função cerebral. No livro, ela conta sobre a descoberta de que é possível preservar e até resgatar a memória perdida. Para a fonoaudióloga Ana Alvarez, autora de "Deu um Branco" (144 págs., R$ 22,90, ed. Record), entre a quarta e a quinta década de vida a velocidade para prestar atenção, processar informações simultâneas e acessar lembranças diminui. "Começamos a ter uma perda da capacidade dos órgãos de sentidos. É, por exemplo, o que ocorre com a audição, que “perde" informações, principalmente se há estímulos auditivos simultâneos. O deficit no recebimento das informações resulta em menor fixação na memória." Segundo ela, todo o processo começa junto: a menor velocidade do processamento sensorial e a necessidade de prestar mais atenção quando se está recebendo informações sonoras ou visuais demanda mais esforço para armazenar, fixar e evocar lembranças. "As funções cognitivas perdem velocidade, o processo neural começa a não ser como antes. Mas isso pode ser revertido: é possível criar novas conexões neurais com exercícios específicos e medidas como garantir a qualidade do sono", afirma Alvarez, que trabalha com reabilitação cognitiva de pacientes em São Paulo. "O cérebro é um órgão plástico. Se você o faz trabalhar, criam-se novas conexões neuronais. Isso aumenta a reserva cognitiva do indivíduo, incluindo a memória", diz Katia Osternack, neuropsicóloga e professora da Universidade Anhembi Morumbi. Osternack afirma que, a partir dos 40 anos, já é esperada uma perda sutil da memória, mas medidas de prevenção podem mudar esse curso. Exercitando o intelecto Exercícios cognitivos e físicos, aprender coisas novas, alimentação saudável e controle do estresse são atitudes preventivas que, segundo a neuropsicóloga, deveriam ser tomadas durante toda a vida. Há cerca de um ano e meio, a arquiteta Cândida Tabet, 52, percebeu que, do mesmo modo que exercita o corpo, deveria exercitar o intelecto. "A ideia era prevenir. Quero ser dona de minha inteligência e, para isso, percebi que devia trabalhar a atenção e a memória." Desde então, Cândida inclui em seu dia a dia várias atividades, que vão de jogos de computador a curso de línguas, além de prestar mais atenção ao sono e levar a academia a sério. "O efeito é extraordinário. Fiquei muito mais atenta e rápida para memorizar e lembrar." Para o neurologista Martín Cammarota, um dos coordenadores do Centro de Memória da PUC-RS, os lapsos não ocorrem somente na maturidade, mas é nessa fase que costumam trazer mais consequências. "Isso está relacionado ao ritmo de vida agitado e ao número de coisas que uma pessoa dessa idade tem que fazer", afirma. "De modo geral, o esquecimento relativo a atividades rotineiras é resultado da falta de atenção, que está centrada em problemas considerados fundamentais." O psiquiatra Cássio Bottino, do Instituto de Psiquiatria do HC de São Paulo, avalia que até os 60 anos as pessoas conseguem manter o desempenho da memória bem próximo do que era quando jovens. "Realizamos o projeto Clínica da Memória, aberto para pessoas a partir dos 18 anos. O que vimos é que, abaixo dos 60, a maioria que tinha queixas sobre a memória não tinha alterações. O que havia era muita ansiedade em relação ao desempenho." Bottino acredita que, em geral, as dificuldades com memória antes dos 60 anos estão relacionadas a outras causas, como depressão ou transtornos de ansiedade, incluindo estresse. Na opinião do neurologista Cícero Galli Coimbra, da Universidade Federal de São Paulo, a perda é "plenamente evitável", desde que a pessoa mude sua reação ao estresse e mantenha o cérebro em atividade. Segundo ele, o estilo de vida atual favorece o surgimento de doenças neurodegenerativas. "O fator emocional é o mais importante. O estresse bloqueia a produção de novos neurônios e facilita a degeneração dos que a pessoa já possui", justifica. Nas palavras de Cammarota, "desarranjos de ordem psíquica se cruzam com outro de memória. Se brigou com o namorado, por exemplo, a pessoa pode estar deprimida e não prestar atenção a coisas de que lembraria normalmente". Ele também defende que, para a maioria das pessoas com menos de 65 anos, a perda de memória não está relacionada a uma doença degenerativa. "Se você não se lembra de quem é sua mãe, eu me preocuparia, mas esquecer a reunião é normal. Para isso, há as agendas." Bottino lembra que outras doenças, como hipotireoidismo, podem causar problemas de memória. No caso, é preciso tratar a doença de base. Problemas no sistema circulatório, além de elevarem o risco de acidente vascular cerebral, também aumentam o risco de danos cognitivos no futuro. A perda de memória associada ao envelhecimento do tecido nervoso ocorre a partir dos 65 anos. Com essa idade, 1% da população já apresenta demência e, a cada cinco anos, a porcentagem duplica, segundo Coimbra. Em todos os casos, e em qualquer idade, os especialistas afirmam que o envelhecimento cerebral pode ser retardado, que é possível recuperar perdas da reserva funcional do cérebro, formar novas conexões e ter um desempenho melhor. "Cuidar do corpo como um todo, praticar atividades físicas e intelectuais estimulantes são passos fundamentais para isso", diz Bottino. Desses conselhos, é bom não se esquecer.