-->

domingo, 27 de março de 2011

Se - Atavismo

Se minha avó não tivesse castigado covardemente o meu pai, ele seria uma pessoa mais calma, um homem menos explosivo, por vezes até mesmo violento. Se meu avô não fosse tão omisso, não permitiria que ela agisse dessa forma. Pobre coitado; morreu de câncer no estômago. Talvez não tenha tido mesmo “estômago” pra isso.

Se meu avô não pensasse só em dinheiro e, quando minha mãe chegava com uma nota dez ele não dissesse que “não fez mais que a obrigação” ela não seria uma mulher tão focada no dinheiro, incapaz de tecer um único elogio a qualquer um dos filhos. Minha avó, não dizia nada, era uma “boa mulher”, passiva, incapaz de contrariar o marido. Pobre coitada; morreu de câncer no osso malar que evoluiu para o pulmão. Talvez não conseguisse respirar mais aquele ar.

Se eu não tivesse sido educada por um pai rude, bruto e severo, fruto da educação que recebeu da própria mãe, eu não seria a pessoa que sou. Se minha mãe não fingisse que nada via quando meu irmão e meu pai me agrediam física e verbalmente, se seu único valor não fosse o dinheiro e o conforto, fruto da educação que recebeu dos próprios pais, eu não seria a pessoa que sou.

Se eu não fosse a pessoa que sou, talvez meus filhos, já adultos, não fossem focados na doença, na mudez, na privacidade extrema, exatamente como eu era quando nova!

Como se pára este atavismo?

sábado, 26 de março de 2011

A Quebra do Samaya

"Na tradição budista, as pessoas não falam muito sobre suas próprias experiências e realizações, principalmente porque o ato de se gabar tende a aumentar o senso de orgulho de uma pessoa e levá-la a utilizar mal as experiências para ganhar poderes mundanos ou obter influência sobre as outras pessoas, o que prejudica a si mesmo e aos outros. Por esse motivo, o treinamento da meditação envolve um voto ou um compromisso - conhecido em sânscrito como samaya - para não fazer uso impróprio das habilidades obtidas pela prática da meditação (...). A consequência de quebrar esse compromisso é a perda de todas as realizações e habilidades obtidas por meio da prática."

A Alegria de Viver - Yongey Mingyur Rinpoche - pág. 218
Obs: Pronuncia-se samayá.
 
"Todas as iniciações tântricas vinculam aqueles que as recebem a sérios votos conhecidos como votos de samaya. Na escola Nyingma, há 28 votos de samaya divididos em três votos raízes e 25 ramos. Os três votos raízes são:

1. o voto do corpo: venerar o guru
2. o voto da fala: praticar continuamente os mantras e mudras da deidade
3. o voto da mente: manter restritos os ensinamentos do segredo tântricos

Os outros 20 votos são colocados em quatro grupos:
1. os cinco a serem aceitos
2. os cinco a serem rejeitados
3. os cinco a serem praticados
4. os cinco a serem conhecidos
5. os cinco a serem realizados

Quais são os samayas mais relevantes? De acordo com as instruções esotéricas (man ngag) eles estão agrupados em três.
1.     o samaya da visão
2.     o samaya da prática
3.     o samaya da realização
     
Para distingui-los, o samaya da mente é não disseminar as instruções secretas para outros e os cinco aspectos a serem conhecidos são o samaya da visão. O samaya do corpo é não criar animosidade ou desprezo pelo mestre vajra e pelos irmãos vajra. Os cinco samayas a serem praticados e os cinco a não serem renunciados são o samaya da realização. O resultado destes três é a natureza da realização.

Observe como esta passagem divide os votos samaya em outro conjunto de divisões:
1. o samaya do ponto de visão.
2. o samaya de prática.
3. o samaya de realização."

quinta-feira, 24 de março de 2011

Insônia e aversões

De vez em quando o bicho pega! Anteontem passei a noite literalmente em claro. Quando comecei a cochilar já era hora de acordar e acordei com uma dor de cabeças daquelas! O humor estava do jeito que o diabo gosta! Como toda quarta-feira, desço para almoçar na casa de uma amiga e passo parte da tarde com ela. O almoço tinha um ingrediente que me caiu como uma luva: suco de maracujá! Mas não desses de garrafinha que se compra no supermercado, não, suco mesmo, do maracujá fruta! Subi pra casa a pé como sempre faço, mas desta vez num passo mais marchado pra suar, pra cansar mesmo e ver se dormia o sono atrasado. Parei no mercadinho pra comprar maracujás, três, bem graúdos! Em casa, uma só fruta deu um jarro grande de inox, uns dois litros. Encharquei-me dele! Devo dizer que costumo dormir depois da meia noite, mas ontem, pouco depois das dez, estava na cama e com sono! Dormi o sono dos justos! Mas, naquele breve período entre o acordar e o abrir os olhos, notei que tenho muitas aversões. Detesto barulho, detesto insônia, detesto um monte de coisas. Mas não consegui fazer do barulho uma cachoeira e nem da insônia um momento excelente para uma boa meditação. Eu não tomo jeito!

domingo, 6 de março de 2011

Para Christopher e anônimo. Respondendo aos comentários.

A cura está dentro de nós, pessoal! Afinal somos nós que vivemos vinte e quatro horas com todo nosso organismo, corpo, fala e mente! Hoje não estou bem, mas amanhã posso melhorar. Esta é a minha simples e vívida constatação da impermanência. Um ingênuo mas sábio ditado popular diz que "de hora em hora, Deus melhora". Não tenho a ilusão de que a simples leitura de um livro possa me "curar", mas ele pode me trazer algum vislumbre, um insight que eu possa aproveitar. Nunca acreditei que alguém curasse alguém, que a dor de alguém se comparasse com a nossa ou vice-versa. Nem por isso deixamos de ler, de ir ao médico, ao psicólogo ou ao psiquiatra. Eu mesma já dispensei muitos profissionais como se fechasse um livro que não me interessasse mais. No entanto, continuo lendo, continuo buscando e rezo, peço ao universo que todos os seres possam se ver livres do sofrimento e de suas causas. Mas também que todos estejam a salvo de gerar pensamentos negativos, o obstáculo mais destrutivo. Que esses pensamentos nunca surjam em nossa mente e que todos os seres estejam livres de pensamentos negativos. Seguimos em frente, eu já numa idade meio assustadora, algumas funções corporais não funcionando tão bem quanto antes, certas fraquezas tomando-me de assalto, prossigo e sei que um instante virá em que tudo terá o seu fim determinante, seja ele como for. Espero ter forças e as desejo a todos! 
Losar Tashi Delek!

sexta-feira, 4 de março de 2011

Abraçando a Raiva - Thich Nhat Hahn


Plena consciência é a capacidade de saber o que está acontecendo em cada momento, e plena consciência da raiva é ser capaz de reconhecer quando a raiva se manifestou. Se deixarmos nossa raiva sozinha, causará estrago para nosso corpo, para nossa mente e talvez para o nosso entorno. Podemos praticar a plena consciência da raiva dizendo para nós mesmos: “Inspirando, sei que a raiva está em mim. Expirando, eu sorrio para minha raiva, eu abraço minha raiva.”

A plena consciência reconhece que a raiva é raiva. Reconhecer e abraçar a raiva é uma arte, é a prática. Usualmente, lutamos contra a raiva que surge em nós. Mas na prática budista, não lutamos contra nossa raiva, nós a abraçamos ternamente.

Imagine uma mãe que está trabalhando na cozinha e ouve seu bebê chorar. Ela o ama, portanto solta o que quer que esteja na sua mão e vai ao quarto dele. Antes mesmo de saber o que está errado, ela pega o bebê e o segura ternamente em seus braços. Apenas segurá-lo carinhosamente pode ser suficiente para trazer alivio à criança e diminuir seu choro. Se a mãe continuar a segurá-lo com plena consciência, ela descobrirá o que está errado. Ele pode estar com fome, pode estar com febre, ou sua fralda pode estar apertada demais. Através da prática da plena consciência podemos abraçar nossa raiva e pacientemente descobrir porque ela surgiu.

Se a mãe descobre que seu filho está com fome, ela lhe dá leite; se a fralda está muito apertada, ela afrouxa. Portanto ao abraçar nossa raiva com carinho, podemos aliviá-la através da respiração consciente e da caminhada consciente.

Quando a energia da raiva começa a emergir, precisamos da prática da plena consciência. Podemos pensar que para liberar nossa raiva temos que fazer algo imediatamente para confrontar a pessoa que pensamos que está nos fazendo sofrer. Ao invés disso, podemos respirar e dizer: “Inspirando, sei que a raiva se manifestou em mim. Expirando, tomarei muito cuidado com a energia da raiva em mim.”

Podemos pensar que dizer ou fazer algo muito forte para punir a outra pessoa é o caminho para encontrar alívio. Mas isto apenas irá escalar o sofrimento. A outra pessoa sofrerá mais, e ela irá buscar alívio nos punindo de volta.

Se alguém nos faz sofrer, é porque esta pessoa também está sofrendo. Alguém que não sabe lidar com seu sofrimento permitirá que ele vaze, e nos tornaremos vítimas do seu sofrimento. Sabemos que alguém que sofre tanto assim precisa de ajuda e não punição. Quando começamos a ver isso, a compaixão nasce, e não sofremos mais. Compaixão é o antídoto para a raiva. Uma vez que estamos motivados pelo desejo de ajudar a outra pessoa a sofrer menos, estamos livres de nossa raiva.

Às vezes é importante comunicar nosso sofrimento para a outra pessoa. Podemos fazer isso usando a prática do “Começar de Novo”. Sentamos juntos em um momento onde possamos estar plenamente presentes. Há três estágios: no primeiro nós “regamos as flores” da outra pessoa, sinceramente expressando nossa apreciação pelas suas boas qualidades. No segundo expressamos lamento por qualquer coisa que vemos que possamos ter feito para contribuir para o conflito. No terceiro, expressamos nosso sofrimento sem culpa ou julgamento.

Quando expressamos nosso ferimento, há três frases importantes que os ensinamentos budistas sugerem. Estas frases são o antídoto para o sofrimento. A primeira é, “Querido, eu estou com raiva. Eu estou sofrendo e quero que você saiba.” A segunda é “Querido, eu estou fazendo o melhor que posso”. A terceira é “Por favor, ajude-me”.

Quando dizemos a primeira frase - “Querido, eu estou com raiva. Eu estou sofrendo e quero que você saiba disso.” - estamos sendo abertos e dividindo o que está acontecendo conosco. É importante que não neguemos nossa própria raiva e sofrimento. Às vezes sofremos por causa da outra pessoa, e quando ela vem e pergunta, “Querido, você está bem, está com raiva de mim?” dizemos “Eu estou bem, porque estaria com raiva?”. Ou quando a outra pessoa põe a mão no nosso ombro, tentamos evitar seu toque e dizemos, ”Deixe-me só, não me toque!”. Estas são formas de punir alguém, queremos dizer a esta pessoa que podemos sobreviver muito bem sozinhos.

Portanto, ao invés disso, é muito importante ser direto. Podemos também querer adicionar, “Eu não sei por que você disse tal coisa para mim, por que fez tal coisa para mim. Por favor, explique.” A coisa importante é dizer para a outra pessoa que estamos com raiva e que estamos sofrendo. Se pudermos escrever esta sentença, já sofreremos menos. É um milagre.

A segunda frase é ainda menor, “Eu estou fazendo o melhor que posso”. Isto significa que estamos praticando a respiração consciente e a caminhada consciente e tomando conta de nossa raiva. Portanto a segunda sentença é um convite indireto para a outra pessoa fazer o mesmo, voltar para reexaminar a situação, e ver o que ela possa ter feito que tenha contribuído para o conflito.

Às vezes não queremos fazer o outro sofrer. Apenas somos inábeis. Temos que aprender a falar em termos de mais ou menos hábeis ao invés de termos como bom ou mau, certo ou errado. Na tradição budista falamos de estados inábeis da mente, como a raiva ou medo.

A última sentença é “Por favor, ajude-me”. Quando somos capazes de escrever a terceira frase, nosso sofrimento se dissipa. Mesmo se a outra pessoa ainda não leu a mensagem, já nos sentimos muito melhor. Reconhecemos nossa interdependência, não somos capturados pelo orgulho. No verdadeiro amor não há lugar para orgulho. Sabemos que precisamos da outra pessoa para nos ajudar a sair da nossa situação.

Tenho muitos amigos que pegam um pedaço de papel do tamanho de um cartão de crédito, escrevem essas três frases e guardam na carteira. Cada vez que a raiva vem, eles pegam o “cartão”, lêem enquanto inspiram e expiram, e então eles sabem exatamente o que fazer.

Quando o nosso amado nos fere, ficamos com raiva e sofremos. Estamos na margem do sofrimento. Como somos bodisatvas, queremos atravessar para a margem da paz. Não dizemos, “Outra margem, por favor, venha de forma que eu possa pisar em você.” Não, temos que atravessar! E entendimento, prajñaparamita, é uma das maneiras de atravessar. Quando entendemos a outra pessoa, vemos seu sofrimento e também que ela não sabe lidar com este sofrimento. Ela sofre, portanto faz a si mesmo e aos que estão a sua volta sofrerem. Quando somos capazes de olhar com olhos de entendimento como estes, de repente estamos na outra margem. Este entendimento traz a outra margem imediatamente.

O Buda disse que há muitas maneiras de lidar com sua raiva, e uma maneira é praticar a paramita chamada dana, que significa doação. Você dá um presente para a pessoa que você está sentindo raiva. Usualmente quando estamos com raiva de alguém, queremos puni-la. Mas o Buda nos aconselha a fazer o oposto. Faça algo que a faça feliz. Ofereça algo para ela, e de repente sua raiva desaparecerá e você se encontrará na outra margem. Você pode querer tentar isto. Você sabe do que seu amado gosta, portanto compre um lindo presente e esconda em algum lugar. E um dia quando ficar com raiva dele, lembre-se do conselho do Buda e ofereça o presente para ele. Então ambos estarão na outra margem imediatamente.

A outra pessoa precisa de amor, e se pudermos prover isso para ela, através do entendimento, nossa raiva se dissolverá. O tempo que leva para atravessar para a outra margem pode ser muito curto. É um milagre! Como um bodisatva, queremos apenas dar. E estamos dispostos a dar qualquer coisa que pudermos.

As coisas mais valiosas para dar são entendimento e compaixão. Todos no mundo anseiam por entendimento, compaixão e amor. Como um bodisatva, como um praticante, podemos produzir entendimento e compaixão. Quando olharmos profundamente para a situação, não culparemos mais, sentiremos compaixão.

(Do livro “Together we are one”– Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
Comente esse texto em http://sangavirtual.blogspot.com

quinta-feira, 3 de março de 2011

Tocou, colou!

 http://www.tedxamazonia.com.br/tedtalk/edgard-gouveia