-->

sábado, 23 de outubro de 2010

Obesidade mental.

"Você tem obesidade mental? Hoje malha-se o corpo, mas esquece-se de cuidar da cabeça.
ANA ELIZABETH DINIZ -Especial para O TEMPO
A humanidade está vivendo uma overdose de informações. Somos bombardeados o tempo todo com e-mails, spams, mensagens no celular, noticiários em jornais e televisão e redes sociais. Há quem já não viva mais sem elas. Para algumas pessoas, a vida torna-se desestimulante, morna, se não houver a menor possibilidade de ficar plugado. A consequência dessa loucura moderna é a obesidade mental. "Vivemos uma época única, com uma quantidade de informações como em nenhuma outra da história da humanidade", avalia Frederico Porto, psiquiatra e especialista em nutrologia. Para se ter uma ideia, diz ele, o exemplar do jornal "The New York Times" de domingo tem mai informações do que um homem durante a Idade Média tinha acesso em toda a sua vida. "Esse excesso de informação gera em nós um estado igual a um indivíduo diante de uma mesa muito farta, com todas as guloseimas que ele quer. O excesso nos afasta de nossas escolhas conscientes. Precisamos fazer uma dieta mental, uma dieta de informação", propõe Porto. O psiquiatra norte-americano Edward Hallowell acredita que vivemos um estado de déficit de atenção devido a esse excesso de informação. Segundo ele, quando se é interrompido por uma atividade, gastam-se 64 segundos para se conseguir voltar  à atividade original. Imagine, portanto, se você sofrer uma interrupção a cada cinco minutos e gastar um minuto para voltar à atividade original. Em uma semana, você terá passado cerca de oito horas na transição de uma atividade para outra, ou seja, no limbo. O excesso de estímulos gera o que Hallowell chama de traço de déficit de atenção (TDA), que é diferente da doença transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). "O traço seria induzido pelo meio ambiente enquanto o transtorno tem um componente mais genético e, por isso, deveria ser tratado com medicamentos. O médico fala que o TDA é epidêmico no mundo corporativo e traz como sintomas a distração, impaciência e inquietação interna. As pessoas com esse traço têm dificuldade de se manter organizadas, de determinar prioridades e de gerenciar o tempo", analisa Frederico Porto.
Dentro do cérebro humano, a obesidade mental funciona assim: "Temos de usar a parte frontal de nosso cérebro, onde estão as chamadas funções executivas, aquelas que nos fazem humanos, como a capacidade de antecipar, planejar, priorizar. Sobrecarregados de informações, os lobos frontais chegam ao seu limite e enviam mensagens de medo e ansiedade para as regiões mais primitivas do cérebro que, ao serem ativadas, reduzem a atividade das regiões frontais, exatamente aquelas que teriam condições de resolver os problemas apresentados", explica o psiquiatra.Essas gordurinhas mentais são privilégio da sociedade consumista, na opinião do filósofo Alfeu Trancoso, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). "A  sociedade consumista é a sociedade do excesso, daí essa obesidade mental que se estende a outras obesidades tão comuns em nosso atribulado tempo. E são essas deformações mentais, corporais e culturais que impedem o desenvolvimento espiritual, o único capaz de formular as grandes questões fundamentais da existência: de onde vim, para onde vou e qual o sentido da minha  vida?". "Quanto mais conhecemos o mundo mais conhecemos a nós mesmos", lembra Alfeu. "Isso inclusive estava escrito no dintel do templo principal de Delfos na Grécia Antiga: "Conhece-te a ti mesmo". Mas, logo abaixo, havia outra frase complementando de modo exemplar a primeira: "Nada de excessos". Hoje, diante da quantidade de informações que recebemos, nosso cérebro não dá conta de processar tantos dados, de transformar informação em conhecimento. A verdadeira sabedoria está na boa e salutar regra do meio termo", propõe o filósofo.
O tamanho da "gordura"
2 bilhões de páginas estão disponíveis na internet.
100 emissoras no ar,em diversas línguas, com especialidades diferentes.
6% de 17 mil internautas têm comportamento compulsivo diante da internet.
1,5 bilhão de gigabytes
é o volume anual gerado em impressos e filme.
250 megabytes de informação há para cada homem, mulher e criança do planeta.
10 computadores pessoais seriam necessários para cada pessoa guardar dados."

Jornal Pampulha - BH, 23 a 29 de outubro de 2010.

Despertar dói!

Entender o poder do caminho nos fornece a inspiração que nos mantém indo em frente, explorando a dor e proporcionando o entendimento do que nos prende. Não demora muito para descobrir o poder, nem para sentir a dor. Acordar dói. E se nós não entendemos o porquê, vamos correr a partir da dor e abandonar o caminho. Existem inúmeras pessoas que se tornaram desistentes espirituais, ou que estão perdidos em desvios, porque eles não compreenderam as dificuldades.
Quando seu braço adormece, ele espeta e queima, quando volta à vida. Dedos congelados picam quando descongelam, nós pulamos para acordar quando o despertador toca. Mas as instâncias físicas da anestesia são leves em comparação com a anestesia, nascida da ignorância, e assim é o grau de incômodo ao acordar. Quanto mais tempo alguma coisa esteve adormecida, mais doloroso é para despertá-la. Se os seus dedos são meramente frios, é fácil aquecê-los. Mas se seus dedos estão congelados, dói pra caramba quando descongelar. Segundo a tradição, a menos que já seja um buda, um "aquele que despertou", alguém roncou por um tempo sem princípio, e pode realmente se machucar antes de acordar completamente. Mingyur Rinpoche escreve:
"Eu gostaria de dizer que tudo melhorou quando eu me senti seguramente estabelecido entre os outros participantes no retiro de três anos. Pelo contrário, no entanto, o meu primeiro ano em retiro foi uma das piores fases da minha vida. Todos os sintomas de ansiedade que eu já tinha experimentado - a tensão física, sensação de aperto na garganta, tontura, e ondas de pânico - atacaram com força total em termos ocidentais, eu estava tendo um colapso nervoso. Em retrospecto, eu posso dizer que o que eu realmente estava passando era o que eu gosto de chamar de "avanço nervoso."

Tradução de "The Power and the Pain: Transforming Spiritual Hardship into Joy" de Dr. Andrew Holecek, publicado pela Snow Lion Publications

sábado, 16 de outubro de 2010

A intenção é ilimitada.

Shantideva's Boddhicharyavatara
1.21
Se com generosidade e bondade
Alguém alimenta o desejo de apenas aliviar
A dor de cabeça de outros seres,
Tal mérito não conhece limites.

1.22
O que dizer, então, do desejo
De afastar o infindável penar
De todos os seres vivos,
Dotando-os de infinitas virtudes?

Naturalmente quando nosso desejo se torna imensurável, isso pode criar um dilema. Os candidatos a bodhisattva que seguem os ensinamentos de maneira muito literal dizem: "Não há como eliminar as dores de cabeça de todos os seres! O que faremos? Enviar para cada um uma aspirina?"
Por outro lado, existe a resposta de Bernard Glassman Roshi que trabalhou com os sem-teto em Yonkers, Nova York. Ele disse que sabia que não havia uma maneira de acabar com os sem-tetos, embora ele devotasse a sua vida a esta tentativa. Esta é a aspiração de um bodhisattva. Não se preocupe com os resultados, simplesmente abra o seu coração de maneira inconcebivelmente grande, aquela maneira ilimitada que beneficia a todos que você encontrar. Não se preocupe se é ou não exiquível. A intenção é vasta: que a dor física de todos seja aliviada e, melhor ainda, que todos atinjam a iluminação!

"Sem Tempo a Perder - Um Guia Útil para O Caminho do Bodhisatva" - Pema Chödrön / Páginas 20 e 21.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Lidando com as emoções negativas.

"Seguindo os ensinamentos Vajrayana, nós não desistimos ou rejeitamos qualquer coisa, mas sim fazemos uso de tudo o que está lá. Olhamos para as nossas emoções negativas e as aceitamos pelo que são. Então, relaxem neste estado de aceitação. Usando a emoção em si, ela é transformada ou transmutada em positiva, em sua própria face. Quando, por exemplo, a raiva ou o desejo forte surge, um praticante Vajrayana não tem medo deles. Ao contrário, ele ou ela irão seguir o conselho com as seguintes frases: Tenha a coragem de expor-se às suas emoções. Não as rejeitem ou as suprimam, mas não as siga também. Apenas olhem para a sua emoção diretamente nos olhos e tentem relaxar para dentro da emoção em si mesma. Não há confronto envolvidos. Vocês não fazem nada. Permanecendo desapegados, vocês não são levados pela emoção nem a rejeitam como algo negativo. Depois, vocês podem olhar para suas emoções quase casualmente e isto pode até ser bastante divertido. Quando o nosso hábito usual de ampliar os nossos sentimentos e nosso fascínio resultante dessas emoções forem embora, não haverá negatividade e sem combustível. Podemos relaxar dentro deles. O que estamos tentando fazer, portanto, é hábil e sutilmente lidar com nossas emoções. Isso é basicamente equivalente à capacidade de exercer disciplina."

de "Passos Ousados: Atravessando o Caminho do Buda", Ringu Tulku, editado e traduzido por Rosemarie Fuchs, publicado pela Snow Lion Publications - somente em inglês.

Dzongsar Khyentse Rinpoche video


An Evening Of Appreciation And Awareness: Buddhist Literary Heritage Project from BLHP on Vimeo.
Dzongsar Khyentse Rinpoche's speech from "An Evening of Appreciation & Awareness: Buddhist Literary Heritage Project", held in the evening of 20 March 2010 at Tai Pei Buddhist Center, Singapore.

Filhos


Onde estava seu filho ou sua filha antes de você engravidar? Quem era ele ou ela? Que sentimento você nutria por ele ou ela? Por que exatamente ele ou ela foi escolhido para ser seu filho ou sua filha?

Pois bem. Você estava ali, cuidando de sua própria vida quando alguém bateu à sua porta e perguntou:
- Pode me dar um copo d'água?
Você, apiedada, trouxe-lhe um copo dágua. Ele, sem ao menos agradecer, disse que estava com fome e perguntou se você podia alimentá-lo. Sabe-se lá o que deu na sua cabeça e você lhe deu alimento. Então, sem ao menos agradecer, disse que estava muito cansado, com muito sono e perguntou se podia dormir um pouco na sua cama. Sabe-se lá o que deu na sua cabeça e você, não só deixou que este estranho entrasse em sua casa, como lhe deu cama como também travesseiro e coberta. E este alguém foi ficando por lá, na sua casa e não foi mais embora. Por fim, já abria a geladeira, tirava e comia o que queria, passeava por todos os cômodos da casa, usava o seu computador, seu celular, ligava a sua televisão, usava as suas coisas, pessoais, deitava no seu sofá, já tinha a chave da sua casa e agora, entra e sai à hora que bem entende e faz o que dá na cabeça dele. Mas você nutre por ele um amor imenso, mesmo que ele não esteja nem aí prá você, que lhe dê respostas bruscas, não lhe agradeça por nada que você tenha feito e nem te dê satisfação da vida dele. Um dia ele se casa e vai embora...

Este é o seu filho ou a sua filha. E esta é uma estória contada por Jigme Rinpoche por ocasião do Dzogchen em janeiro de 2009.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Casamento e as Seis Perfeições

Os votos de casamento não são apenas parte de uma cerimônia externa. Mais importante do que isso, eles representam um compromisso interno, mental. Para entender como manter esse compromisso através de suas vidas, vocês precisam entender a estrutura maior destes votos.

Entre os muitos tipos de seres no universo, como seres humanos nós atingimos uma situação muito rara e afortunada, uma base de trabalho única para o desenvolvimento espiritual. Entretanto, se não reconhecermos a preciosidade de nossa vida humana, podemos desperdiçá-la — como alguém que encontra um pedaço de ouro mas, não reconhecendo o seu valor, faz mau uso dele, talvez como um encosto de porta. Somos agora como o minério de ouro não refinado, não reconhecendo que nossa natureza verdadeira é como o ouro. Usando bem esta oportunidade, podemos refinar o minério para revelar a pureza de nossa natureza inerente, que é como o ouro.

Em seu casamento, um pode apoiar o caminho espiritual do outro e pode ajudar a garantir que o potencial de suas vidas humanas não seja desperdiçada. Isto é muito importante pois a oportunidade que vocês têm como seres humanos é muito breve. É natural que aspirem a estar juntos por um longo tempo, mas vocês não podem saber o quanto suas vidas ou o seu relacionamento durará. Tudo em nossa experiência é impermanente. Uma vez, este universo que habitamos não estava aqui, e um dia ele novamente será reduzido a nada. Uma vez, nosso próprio corpo físico não estava aqui, e um dia ele novamente será perdido. Das muitas pessoas que viveram nesta terra há cem anos atrás, quantas estão aqui agora? E destas, quantas estarão aqui daqui a cem anos? Se entenderem a impermanência, vocês entenderão a importância de usar bem o seu tempo juntos.

Desde o início do seu caminho, vocês precisam pensar claramente sobre a direção que querem tomar. O que é mais importante não é tanto estar juntos, mas sim como vocês passarão o seu tempo juntos. Casamento significa fazer um compromisso de agora em diante, para o resto de suas vidas, de viver juntos em harmonia, com alegria, amor e afeição, e com a intenção de beneficiar um ao outro o quanto for possível. Isto significa a aspiração, dia a dia, de colocar a felicidade do seu cônjuge antes da sua própria felicidade. Tanto no nível mundano quanto no espiritual, um deve decidir encontrar as necessidades do outro e contribuir para o crescimento espiritual do outro. O amor genuíno e abnegado que um expressa pelo outro criará uma virtude que os conduzirá à felicidade nesta vida e que plantará as sementes para a felicidade futura.

Cada um de vocês escolheu o outro entre todas as flores neste jardim terreno. Então é importante que vocês abordem o casamento com um senso de altruísmo, de beneficiar um ao outro o quanto for possível, na alegria e na tristeza, na felicidade e na infelicidade. Se o homem entra no relacionamento pensando, "Esta mulher é agora a minha esposa, está pronta para ela me fornecer o que preciso, para me fazer feliz", ou se a mulher pensa, "Este homem é agora o meu marido, ele me deve felicidade, ele deve me satisfazer" — essas expectativas apenas criarão problemas. Ao invés de um demandar isto para o outro e de esperar algo para si mesmo, façam disto o seu compromisso de um para o outro, assumindo a responsabilidade de garantir a felicidade do seu cônjuge. Sempre mantenham em mente sobre como o que vocês dizem ou fazem pode afetar o outro. Aprendam o que é condutivo para a felicidade e paz mental do outro.

Se ambos tiverem uma preocupação com a felicidade do outro, vocês nunca poderão ser separados. Seu elo não poderá ser quebrado.

Se, por outro lado, vocês colocarem a responsabilidade de sua felicidade sobre o seu cônjuge, se vocês sentirem que ele ou ela deve algo a você, vocês verão apenas as suas faltas. Se a sua motivação fundamental for esperar que o outro o faça feliz, o seu casamento não será tão fácil e a sua felicidade não durará muito. Abordar o casamento com um ponto de vista auto-centrado automaticamente estabelece uma circunstância que vai atravessar o bem maior que é possível. Mas se a sua motivação for a de levar o outro à felicidade, ambos serão felizes a curto e longo prazo e trarão felicidade àqueles ao redor de vocês. Este é o significado do sucesso tanto no sentido espiritual quanto no mundano.

A felicidade que experienciamos na vida depende muito da nossa motivação. E nossa motivação é tão importante no casamento quanto em qualquer outro empreendimento humano. Apesar de uma motivação altruísta não ser a mesma coisa que bodhichitta, que tem um escopo muito mais vasto — o benefício temporário e último para todos os seres —, ela é uma maneira de praticar o não-eu de um modo bem direto, com a pessoa bem ao seu lado. E vocês podem usar o relacionamento com seu cônjuge como um modelo para os seu relacionamento com todos.

A fim de manter o seu compromisso, vocês devem estar preparados para enfrentar os obstáculos com firmeza. Apesar de aspirarmos o divino, a fricção pode ocorrer. Nenhum de nós é perfeito. Em nossos relacionamentos, muitas vezes experienciamos emoções negativas, trivialidades, pensamentos auto-centrados e todos os tipos de estados físicos e mentais, alguns agradáveis, outros desagradáveis. Estas coisas colocarão nosso compromisso à prova — ele deve ser capaz de resistir ao que quer que venha. O mais importante não é o que surge, mas como vocês lidam com o que surge, como vocês trabalham para garantir que o seu casamento durará por toda a vida.

Façam o voto de ajudar um ao outro, de um ser amigo do outro, sob todas as circunstâncias. Quando as dificuldades ocorrerem, não importa o quão grandes ou pequenas, não façam disto uma grande coisa. Lembrem-se que o seu cônjuge é um ser humano, não um deus. Focalizem sobre as boas qualidades do outro e não se prendam sobre as dificuldades. Quando um problema surgir, lembrem-se de que todos nós somos humanos e o coloquem de lado. Durante tempos difíceis, lembrem-se que a sua união é por toda a vida; vocês devem o melhor a ela. Não tenham tempo para discutir. Acima de tudo, achar que vocês estão certos e que os outros estão errados é uma das delusões que perpetuam o sofrimento. Ao invés disso, sejam pacientes e se lembrem que a única coisa de benefício na hora da morte será a virtude criada nesta vida. Se vocês mantiverem esta perspectiva no dia a dia, as discordâncias serão resolvidas e vocês desenvolverão paciência, amor, compaixão e aceitação, qualidades que fortalecerão o seu relacionamento.

Sua motivação altruísta no casamento corporifica a primeira das seis perfeições — a generosidade, a prática que é um dos modos mais excelentes de acumular mérito e de aumentar as qualidades virtuosas. Através do amor e do compromisso que vocês trazem um ao outro nesta ocasião e no futuro, quando um mantém seu amor para o outro em seu coração, quando um fala do seu amor para o outro, quando vocês trocam alianças como símbolo físico do seu elo, vocês estão expressando a qualidade da generosidade. Seu compromisso, de agora em diante, de usar seu corpo, fala e mente para fazer um ao outro feliz é mais uma expressão dessa generosidade.

Vocês também trazem ao casamento a segunda perfeição, a disciplina moral. Isto significa viver juntos de acordo com as disciplinas superiores, eliminando hábitos que não estão servindo ao relacionamento, eliminando o comportamento é insignificante, egoísta e desarmonioso, e acentuando as qualidades positivas e abnegadas como a bondade amorosa, que traz um benefício ainda maior. Seu caminho espiritual é de virtude, trazendo alegria e felicidade aos outros e refreando as ações descuidadas que possam causar dano ou infelicidade. Como praticantes, vocês devem usar seu corpo, fala e mente para guardarem a si mesmos, para guardar o seu relacionamento contra quaisquer obstáculos potenciais ou negatividade, e para se esforçarem em beneficiar habilmente um ao outro. Se o seu foco estiver sobre as necessidades do seu cônjuge, vocês já encontraram um meio muito poderoso de evitar problemas.

Não há dúvida de que a vida casada é um desafio. Não se mantenham sobre uma idéia fixa sobre como o relacionamento deva funcionar, e ao invés disso aprendam como não perturbar o outro, como atingir alegria e harmonia maiores e maiores. Quando surgirem coisas que vocês não gostam, trabalhem a aversão em suas próprias mentes no contexto de sua prática do Dharma, ao invés de tentarem fazer o seu cônjuge mudar.

Isto também é muito importante se vocês decidirem ter filhos. Se um tratar o outro com respeito e amor, e tentar resolver pacificamente quaisquer problemas que surjam, seus filhos terão um papel modelo para o desenvolvimento de seus próprios relacionamentos positivos e com sucesso.

A terceira perfeição, a paciência, é uma das qualidades mais importantes que vocês podem trazer ao seu casamento. Façam o compromisso de sempre manter harmonia e de lembrar que, independente das mudanças externas ou emocionais pelas quais o seu cônjuge esteja passando, ele ou ela não é um buddha. Seu cônjuge é um ser humano lidando com seus próprios problemas. Tentem se relacionar com isso com compaixão e paciência, focalizando o elo entre vocês ao invés de focalizar os problemas. Tentem não se tornar perturbados pelas dificuldades que inevitavelmente surgem quando as pessoas vivem juntas. Pelo menos não se fixem sobre elas; ao invés disso, tentem imediatamente resolvê-los.

Sua prática da paciência trará grande benefício a curto e a longo prazo no contexto de seu casamento. Quando vocês praticam a virtude, especialmente uma virtude tão poderosa quanto a paciência, ela infalivelmente resultará em grande felicidade no futuro, o que pode ser chamado a experiência do céu ou da terra pura. Através da raiva — cortando os sentimentos do seu parceiro —, através do desejo egoísta — não pensando sobre o que poderia fazer o seu cônjuge feliz, mas apenas sobre os seus próprios desejos auto-centrados — e através da ignorância — falhando em entender qual comportamento é verdadeiramente prejudicial e qual é verdadeiramente útil —, vocês criarão sofrimento a curto e a longo prazo. O céu e o inferno não são lugares que existem fora de vocês. Ao invés disso, eles são os reflexos da positividade e da negatividade de suas própria mentes.

Manter o compromisso que um faz para o outro, como marido e esposa, requer diligência, a quarta perfeição. Vocês precisam de um esforço incansável para permanecerem verdadeiros em sua conexão, trabalhando tanto no contexto mundano quanto no contexto de sua prática espiritual para um ajudar ao outro a encontrar suas metas e para trazer benefício a vocês mesmos e a os outros. Todos os tipos de companhia no caminho são cruciais para o nosso desenvolvimento como praticantes espirituais, e as qualidades de nossos amigos podem nos influenciar grandemente. É por isso que é importante que vocês usem o seu casamento como uma oportunidade para ajudar a prática de Dharma do outro, nunca permitindo que as ações, palavras ou atitudes de cada um tornem-se obstáculos para a sua prática espiritual. Isto requer prática espiritual diligente, tentando não apenas uma ou duas vezes, mas durante toda a sua vida juntos, para realizar estas metas espirituais.

Sempre estar atentos ao seu elo, estimando-o em seus corações e nunca deixando-o ir, envolve a quinta perfeição, a estabilidade meditativa. Isto significa focalizar unidirecionadamente sobre o que traz felicidade duradoura para vocês mesmos e para os outros. A beleza física não durará para sempre. Não focalizem sobre ela. Lembrem-se que tudo neste mundo está sujeito à decadência. Tudo que é composto, que vem junto, eventualmente perece. Mas na hora em que vocês estiverem juntos, vocês podem trazer felicidade um ao outro, podem criar virtude e podem ajudar a sua prática espiritual e a do seu cônjuge. Apesar de esta vida poder ser muito curta, a conexão que vocês estabelecem através do seu envolvimento positivo e virtuoso juntos e através de sua prática espiritual continuará a beneficiar ambos em vidas futuras.

Finalmente, vocês trazem ao casamento a sexta perfeição, a da sabedoria ou conhecimento transcendente. Independente das alegrias e tristezas que vocês experienciem como indivíduos ou como um casal, lembrem-se que estes eventos passageiros são como ecos, ilusões que vêm e vão, que nada do que vocês experienciam tem qualquer existência inerente. A experiência de nossa inteira é como um sonho cheio de alegria e tristeza, felicidade e infelicidade. Assim como quando despertamos de manhã e vemos que nada realmente aconteceu, podemos olhar para trás, para todas as experiências de nossas vidas, e ver que elas eram ilusórias. Os muitos momentos de felicidade ou tristeza — todos se foram agora.

Entender a natureza mais profunda de nossa experiência não significa que diminuímos nossas experiências felizes. Ainda regozijamos, mas ao mesmo tempo realizamos que elas não são tão reais quanto uma vez pensamos. Quando estamos infelizes, nos lembramos que nossa felicidade também é impermanente. Esta perspectiva nos ajuda a reduzir nosso apego às coisas acontecerem de certo modo, assim como a nossa aversão às dificuldades. Realizamos que não são as condições externas que são responsáveis pela nossa felicidade ou infelicidade, mas sim o modo como reagimos a estas experiências externas. Isto traz aceitação e equilíbrio às nossas vidas.

Tentem manter um estado desperto ininterrupto de sua própria natureza, que está além dos extremos da felicidade e tristeza, prazer e dor, esperança e medo. Apesar de poderem parecer pessoas bem comuns, se vocês tiverem uma conexão interior com a essência de sua prática, mesmo quando forem ao trabalho diário vocês atingirão algo muito poderoso e muito benéfico. Se vocês mantiverem esta visão, não importa realmente onde vivem, o que vestem ou como agem.

A perfeição da sabedoria, em seu sentido mais profundo, é corporificada na união do masculino e do feminino, que é fundamental para o caminho espiritual do Buddhadharma. O aspecto manifesto de toda aparência fenomenal corresponde ao princípio masculino dos meios hábeis, e a natureza verdadeira desses fenômenos, a vacuidade, corresponde ao aspecto feminino da sabedoria ou conhecimento transcendente. Se examinarmos qualquer elemento de nossa experiência, descobriremos que é vazio de auto-natureza; porém, as coisas ainda sim aparecerem. Forma e vacuidade, vacuidade e forma existem em união uma com a outra. O entendimento da inseparabilidade da vacuidade dos fenômenos e de sua aparência é a qualidade do conhecimento transcendente, que pode ser cultivada e nutrida durante sua vida juntos.

Na sociedade humana, o elo entre mulheres e homens é a expressão dessa verdade mais profunda, sendo o casamento uma expressão dessa harmonia. Isto traz uma dimensão cada vez mais profunda ao casamento de dois indivíduos que estejam envolvidos com o caminho do Dharma porque eles têm um meio de incorporar em suas vidas esta união do masculino e do feminino, sobre a qual os ensinamentos estão fundados.

Se vocês permanecerem verdadeiros para a visão de sabedoria em seu casamento e, durante sua vida juntos, sempre trabalharem para trazer maior benefício a vocês mesmos e aos outros, a curto e longo prazo, seu relacionamento produzirá nada mais que felicidade nesta vida e nas vidas futuras, e sua união corporificará a essência e os princípios do Dharma sagrado.

Este livreto foi produzido a partir das transcrições de cinco cerimônias de casamento conduzidas por Sua Eminência Chagdud Tulku Rinpoche entre 1988 e 1993.

domingo, 3 de outubro de 2010

Mais sobre o medo.

Eleanor Roosevelt
"Você ganha força, coragem e confiança em todas as experiências em que encaramos seu medo. Você tem que fazer aquilo que acha que não consegue fazer!"

"You gain strenght, courage and confidence by every experience in which you really stop to look fear on the face. You must do the thing which you think you cannot do!"

Eleanor Roosevelt

sábado, 2 de outubro de 2010

Duas pessoas dentro de nós.


"Duas pessoas estão vivendo dentro de nós durante todas as nossas vidas. Uma é o ego tagarela, exigente, histérico, calculista. A outra pessoa é o nosso ser espiritual oculto cuja voz mansa de sabedoria nós só raramente ouvimos e entendemos. Na medida em que escutamos cada vez mais ensinamentos, contemplamos e os integramos às nossas vidas, nossa voz interior, nossa sabedoria inata do discernimento, o que chamamos no budismo de 'consciência discriminativa', é despertada e fortalecida. Então, começamos a distinguirmos a sua orientação em meio das diversas vozes clamorosas e apaixonantes do ego. A lembrança de sua verdadeira natureza com todo o seu esplendor e confiança começa a retornar para nós. Vamos ver que, na verdade, descobrimos em nós mesmos nosso próprio guia sábio e como a voz deste guia, também chamado de consciência discriminativa, fica mais forte e mais clara. Assim, começamos a distinguir entre a verdade e os vários enganos do ego e seremos capazes de ouvir com discernimento e confiança."

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Tomada de Refúgio e Boddhicitta


 
TOMADA DE REFÚGIO E GERAÇÃO DE BODDHICITTA
The Words of My Perfect Teacher (Patrul Rinpoche)

“Tomar refúgio é o fundamento de todas as práticas. Simplesmente por tomar refúgio, você planta a semente da iluminação dentro de si mesmo. Você se distancia de todas as ações negativas que acumulou e desenvolve mais e mais ações positivas. Tomar refúgio é o suporte de todos os votos, a fonte de todas as boas qualidades. Definitivamente o refúgio o conduzirá ao estado búdico e, enquanto isso, ele assegurará a você a proteção dos deuses benfeitores e a realização de tudo que você deseja; você nunca se separará da companhia das Três Jóias; você se lembrará deles de vida a vida e encontrará felicidade e bem-estar nesta existência presente e nos renascimentos futuros. Seus benefícios são ditos como sendo imensuráveis. (...)

Não há maneira melhor de dissipar os males desta vida do que tomar refúgio, do fundo do coração, nas Três Jóias e, em vidas futuras, isso trará a liberação e a onisciência. É difícil até mesmo mencionar todos os benefícios do refúgio. O Sutra Imaculado diz, “se todo o mérito de tomar refúgio tomasse uma forma física, todo espaço inteiramente preenchido não seria capaz de contê-lo.”

*do livro "As Palavras do Meu Professor Perfeito" - Patrul Rinpoche - Para comprar:
http://makara.com.br/2008/10/14/as-palavras-do-meu-professor-perfeito/

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Serviço de utilidade pública.


Toalhas de papel eliminam mais germes do que secadores de ar quente?

Ter, 21 Set, 03h39
O ritual de limpar as mãos é simples: lavá-las cuidadosamente com água e sabão. Mas, quando desliga a torneira, você pega a toalha de papel ou usa o secador de ar quente?
Como as bactérias se proliferam nas mãos molhadas, o método que remove mais umidade deve, teoricamente, ser mais eficaz. Contudo, alguns estudos sugerem a interferência de outros fatores.
Algumas pesquisas têm demonstrado que os secadores de ar convencionais - e os mais recentes, com sistemas de jato de ar, em que os usuários enfiam as mãos em um recipiente enquanto o ar dispara - são áreas de reprodução de bactérias, que contaminam as mãos e dispersam os germes. Mas esses estudos podem apresentar um conflito de interesses: o financiamento da indústria do papel.
No ano 2000, a Clínica Mayo conduziu um dos poucos estudos independentes sobre a questão. Os pesquisadores recrutaram 100 pessoas, contaminaram suas mãos e, em seguida, pediram que as lavassem com água e sabão. Depois disso, pediram que passassem as mãos sob um secador de ar quente durante 30 segundos ou utilizassem um pano ou toalha de papel descartável por 15 segundos. No final, os cientistas observaram um empate: ambos os métodos secaram bem as mãos e produziram reduções equivalentes de bactérias.
Outros estudos que analisaram antissépticos com álcool mostraram que eles eliminam a maioria das bactérias, mas nem todos os vírus, como o norovírus. Além disso, para serem eficazes, eles devem conter pelo menos 60% de álcool em sua composição.
A conclusão: a melhor evidência disponível indica que o método de secagem é menos importante do que a quantidade de tempo investido na eliminação dos germes: quanto mais tempo lavando as mãos, melhor.
© 2010 New York Times News Service - Tradução: Claudia Lindenmeyer

terça-feira, 21 de setembro de 2010

What's bullying? O que é bullying?


"Bullying is the act of intentionally causing unhappiness to others through verbal harassment,physical assault,or other more subtle methods of coercion such as manipulation. ...There is currently no legal definition of bullying. In colloquial speech, bullying often describes a form of harassment perpetrated by an abuser who possesses more physicaland/or social power and dominance than the victim. The victim of bullying is sometimes referred to as a target. The harassment can be verbal, physical and/or emotional. Norwegian researcher Dan Owelus defines bullying as when a person is "exposed, repeatedly and over time, to negative actions on the part of one or more other persons." He defines negative action as "when a person intentionally inflicts injury or discomfort upon another person, through physical contact,through words or in other ways."

"Bullying é o ato de causar intencionalmente infelicidade para os outros através de agressão verbal, agressão física, ou outros métodos mais sutis de coerção, tais como manipulação. ... Não há, na verdade, nenhuma definição legal de assédio moral. Na linguagem coloquial, o bullying freqüentemente descreve uma forma de assédio perpetrado por um agressor que possui mais áreas físicas ou sociais de poder e dominação que a vítima. A vítima do assédio moral é muitas vezes referida como um alvo. O assédio pode ser verbal, físico e / ou emocional. O pesquisador norueguês Dan Owelus define bullying  quando uma pessoa é exposta, repetidamente e ao longo do tempo, a ações negativas por parte de uma ou mais outras pessoas. Ele define a ação negativa quando uma pessoa intencionalmente inflige dano ou desconforto a outra pessoa, através do contato físico, através de palavras ou de outras formas."

Leia

Leia
(Cláudia Chaves à esquerda e Marcus Sarmento à direita)
As surpresas podem ser boas ou ruins, mas, como não gosto de ficar "no escuro", prefiro não ter surpresa nenhuma. Aliás, uma das minhas birras com minha mãe sempre foi o fato de ela adorar fazer surpresas e eu detestar! O tempo me deu razão.
A última vez em que vi a Leia, ela estava com um lenço na cabeça e eu, muito curiosa e inconveniente, perguntei o porquê daquele pano? Resposta seca e forte: "Estou com câncer." Mas resolvi continuar a conversa porque, mais feio ainda, é você demonstrar susto, preconceito, desconforto ou desaponto.
Quando ela me falou que era no útero e nos ovários estranhei porque tenho vizinha, amigas e ex-cunhada que já tiveram, tiraram tudo logo que detectada a doença e estão aí vivendo a vida normalmente. Mas, como ela não quis entrar em detalhes, não seria eu que ia ficar cutucando. Deixei-a sossegada.
Só sei que fiquei muito triste, mas, ao mesmo tempo, me dizendo que tudo ia dar certo, que aquilo tinha cura, que bobagem, menina! E eu fui me enganando, rezando todas as noites prá ela, sempre mandando uma luz em pensamento antes de fechar meus olhos para dormir.
E segui me iludindo, perguntando a todos por ela, querendo saber notícias e ilusão não tá com nada, não, viu, gente!  Quebrei a cara no samsara! Olha que ontem, a primeira notícia que li, logo ao abrir meus e-mails foi a da morte dela e mesmo assim me assustei porque eu lá, achando que ela estava em casa, tomando os medicamentos direitinho. Que nada! Já estava há quase uma semana no hospital, sofrendo seus momentos finais. O tempo não me deu razão.
Leia foi muito bem assistida pelos membros da sangha mais chegados a ela. Lama Sherab ainda estava aqui e fizemos o P'howa prá ela ontem e vamos seguir fazendo até amanhã.
Por mais que eu estude a morte e o renascimento no budismo, é uma coisa estranha essa mudança de forma, de lugar, de não sei quê. A lojinha ficou mais triste, faltosa, vazia. A sangha também. Parece que se instalou uma alteração na rotina.
Mas Leia está bem. Disso tenho certeza, não vou ter mais esta surpresa e o tempo vai me dar razão!
Fica bem minha querida Leia. Pena que não tenho uma foto sua (achei só esta bem ruinzinha) e você me mandou tantas minhas com os lamas... Descanse um pouco agora.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Estudo relaciona depressão à falta de controle das emoções

Da AFP, em Washington
A depressão está ligada a anomalias dos circuitos neuroniais dos centros de emoção do cérebro, o que tornaria as pessoas depressivas freqüentemente incapazes de controlar suas emoções de maneira eficaz, por intermédio de um esforço mental, de acordo com um estudo publicado nesta terça-feira nos Estados Unidos.
Os pesquisadores, que recorreram a uma técnica de diagnóstico por imagem, mostraram que, diante de situações de estresse, o cérebro das pessoas que sofrem de depressão grave reage de forma muito diferente ao das pessoas que gozam de boa saúde mental.
"Experimentar sentimentos negativos frente a situações estressantes é normal", explica Tom Johnstone, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de Wisconsin-Madison (norte) e principal autor desse estudo publicado no periódico "Journal of Neuroscience", de 15 de agosto.
"A incapacidade de controlar as emoções negativas e de voltar a um estado emocional normal, após uma experiência penosa, é uma característica das depressões graves", acrescenta.
Para avaliar o papel dos reguladores da emoção no cérebro das pessoas depressivas, essa equipe de psiquiatras e psicólogos observou as reações do cérebro de indivíduos normais e daqueles que sofriam de depressão, enquanto viam uma série de fotos escolhidas para provocar fortes reações emocionais negativas (cenas de acidentes ou de animais selvagens em atitudes ameaçadoras, por exemplo).
Os pesquisadores pediram aos participantes que se esforçassem para reduzir a intensidade de suas reações emocionais negativas, imaginando, por exemplo, a mesma cena, para torná-la menos perturbadora.
Chegou-se, assim, à conclusão de que os sujeitos normais podem controlar com eficácia suas emoções, por meio de um esforço mental, enquanto os indivíduos depressivos são, em geral, incapazes de fazê-lo, devido a anomalias dos circuitos neuroniais das zonas onde são fixadas as emoções.

Redução de Danos

"Temos usado e abusado da expressão "qualidade de vida". O que me incomoda é perceber que tal conceito tem sido difundido, amplamente explorado e absorvido por muitos de modo egoísta e míope.

Ao darmos uma rápida olhada em reportagens nos diferentes veículos de comunicação e nas idéias que concebemos a esse respeito, percebemos logo que qualidade de vida parece ter relação exclusiva com o objetivo de buscar o bem para si. E, como se não bastasse essa limitação, ainda há mais: buscar o bem para si parece incluir apenas a saúde física devidamente enquadrada na ideologia das ciências biológicas em voga e em preceitos higienistas considerados politicamente corretos na atualidade.

Isso só contribui para que o conceito original seja desvirtuado. A saúde mental, por exemplo, seria mera resultante da correta administração da saúde física. E a vida das relações interpessoais? Quase não é considerada. Resultado? Para ter qualidade de vida, é preciso perseguir uma meta inatingível para a maioria de nós, humanos mortais, e ignorar que somos seres interdependentes que vivem em grupo.

Para começar, a idéia de corpo nessa concepção tem sido cada vez mais desumanizada e submetida aos padrões de beleza atuais, mesmo que sutilmente. Como conseqüência, as de nutrição, de autocuidado, de beleza etc. giram em torno desse centro. Como disse Nina Horta recentemente em sua coluna, fala-se muito de comer isso ou aquilo para garantir a saúde nutricional, mas nada do prazer de comer e do sentido de comunhão que as refeições têm. Ora, ao fazer uma refeição, eu não quero somente ingerir vitaminas e sais minerais e deixar de ingerir gorduras. Quero ter prazer socialmente compartilhado, isso sim.

O sofrimento e a dor -e não apenas os físicos- não têm lugar em tal ponto de vista, assim como as imperfeições. A não ser, é claro, que eles sejam condições da busca da saúde e do corpo idealizados que se deve almejar. Assim, qualquer um pode reclamar de dores após realizar exercícios físicos porque essa condição será prezada por significar busca de superação do corpo, por exemplo, mas não pode manifestar falta de vontade ou de motivação para realizar tais exercícios porque essa atitude será condenada.

Li recentemente uma reportagem em que um especialista em bem-estar e qualidade de vida afirmou que caminhar não deve ser considerado prática física, e sim obrigação. Pois, se levarmos a sério o conceito de qualidade de vida, obrigação seria buscar uma vida digna e isso só se encontra ao procurar o bem não apenas para si, mas para o outro também. Afinal, somos porque pertencemos, não é verdade?

De que adianta viver mais se não podemos exibir as marcas da velhice? De que adianta investir pesadamente na saúde física pessoal se, ao ignorarmos o bem-estar coletivo, ficamos impedidos de desfrutar da vida em comum? De que adianta fazer de tudo para manter a saúde física se as relações afetivas -notadamente com os filhos- não são carinhosamente priorizadas? De que adianta ter uma carreira profissional exitosa se não sobra tempo para a vida pessoal? De que adianta lazer sem ócio?

Talvez pudéssemos nos beneficiar muito mais do conceito de qualidade de vida se o entendêssemos como um objetivo virtuoso e não como um investimento que se mostra idealizado, individualista e consumista. Talvez até pudéssemos trocar a expressão "qualidade de vida" por "dignidade de vida". Faz muito mais sentido nos tempos atuais, não? Aliás, como parece fazer muito mais sentido no presente a expressão "prática de redução de danos" do que "busca de qualidade de vida".

Categoria: Folha Equilíbrio
Escrito por Rosely Sayão às 11h37

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Terra. Este pálido pontinho azul.

O homem não é o centro do universo. Só estamos aqui por cerca de dois milhões de anos e este universo já tem 14 bilhões e 3 milhões de anos. Não sejamos pretensiosos. Temos que cuidar muito bem do nosso planeta, o único lugar em que podemos existir. Tudo é conectado interdependentemente. Reduzir a nossa espécie é de extrema importância porque a terra é muito pequena para nós. Devemos crescer espiritualmente com rapidez antes que sejamos extintos! Não há outro lugar para nós! Nosso querido planeta é apenas um pálido pontinho azul no universo infinito!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Coração e mente abertos.


"Um dos padrões mais profundos que nós temos é o sentimento de que o momento presente não é bom o suficiente. Frequentemente pensamos no passado, que talvez tenha sido melhor do que agora, ou talvez pior. Nós também pensamos no futuro, sempre com  a esperança de que será um pouco melhor do que agora. (...) Ao invés de ficar sempre esperando por resultados, nós poderíamos ficar com nossos corações e mentes abertos. (...) Ao entrarmos neste tipo de relacionamento incondicional com nós mesmos, podemos começar a nos conectar com a qualidade desperta que já possuimos."
Pema Chodron

terça-feira, 31 de agosto de 2010

O Vasto Céu Azul - The Vast Blue Sky



Recentemente, eu estava entrevistando Dzigar Kongtrul Rinpoche e lhe fiz uma pergunta: “Rinpoche, agora você vive há muito tempo no ocidente e conhece bem os ocidentais. Qual conselho que você acha mais importante para um praticante ocidental do dharma?”
E ele disse: “Acho que a coisa mais importante que os praticantes ocidentais tem que compreender é a não-culpa.”
Eu disse: “Não-culpa?”
Ele disse: “Sim. Vocês têm que entender que mesmo que cometam um monte de erros e confusões de todo tipo e de todo jeito, tudo é impermanente, temporário. Mas, no fundo, suas mentes e corações não são culpados. Eles são inocentes.”
Então, a não-culpa é muito importante no caso de se dissolver ou queimar as sementes da agressão dentro de nossos próprios corações e mentes.
A maioria dos ataques a outras pessoas nesta cultura, vem do fato de nos sentirmos mal conosco mesmos. Isto nos deixa tão infelizes e desconfortáveis que detona uma reação em cadeia na tentativa de fugir deste sentimento. As coisas que acontecem são muito habituais, comuns.
Se vocês forem pegos nestas situações e então alguém lhes der quatro segundos ou um minuto e depois der um tapinha no seu ombro e perguntar como aquilo faz vocês se sentirem, vocês se sentirão como “eu sou mal” e a agressão se volta contra vocês.
Talvez se vocês esperaram quatro minutos, deram um tapinha no ombro e se perguntarem como se sentem – eles estão muito errados, fizeram isso comigo e é culpa deles que eu estou nesta situação.
Mas, se neste momento vocês pararem, começarem a respirar, deixarem a coisa toda relaxar e desemaranhar, e se deixarem ficar na impermanência como espaço inefável – se vocês fizerem isso, vão entender que toda essa coisa de culpar os outros, quando vocês se aprofundarem, verão que a semente disso era realmente algum tipo de agressão e desconforto profundos dentro de vocês mesmos.
E se vocês se aprofundarem ainda mais, provavelmente encontrarão tristeza.
Eu cito este poema de Rick Fields onde ele diz:
Atrás da brutalidade há medo
E se você tocar a brutalidade do medo
Você encontrará tristeza (ela meio que fica mais e mais suave)
E se você tocar a tristeza
Você encontrará o vasto céu azul.


É isto que eu os aconselho a fazer na próxima vez em que se sentirem pegos, se vocês pararem e respirarem junto com o sentimento, não ajam, não reprimam, mas pensem nesta citação e pensem nos que vão criar uma nova cultura necessária serão os que não tem medo de se sentirem inseguros.
Seja lá que vocês pensarem neste momento, talvez seja o que se sente ao se queimar as sementes que causaram toda a dor da terra – é assim que nos sentimos.
Sempre sinto que de alguma forma temos que reformular esse sentimento ruim - para que vocês o vejam como uma porta para a libertação, como uma abertura para o vasto céu azul.


Um ensinamento de Pema Chödrön extraído de uma palestra entitulada "Praticando a Paz em Tempos de Guerra" publicada por Shambhala Publications.


I was doing an interview with Dzigar Kongtrul Rinpoche recently, and I asked him the question: "Rinpoche, you have been living in the west for some time now, and you know western people well. What do you think is the most important advise you could give to a western dharma practitioner?"
And he said "I think the most important thing that western dharma practitioners need to understand is guiltlessness."
I said "guiltlessness?"
He said "Yes. You have to understand that even though you make a lot of mistakes and you mess up in all kinds of ways, all of that is impermanent and shifting and changing and temporary. But fundamentally, your mind and heart are not guilty. They are innocent."
So guiltlessness is very important in the subject of dissolving or burning up the seeds of aggression in our own hearts and our own minds.
Most of the striking out at other people, for us in this culture, comes from feeling bad about ourselves. It makes us so wretched and so uncomfortable that it sets off the chain reaction of trying to get away from that feeling. It's some very very habitual thing that happens.
If you got hooked, and then someone was to give you four seconds, or a minute, and then tap you on the shoulder and ask you what that feels like, it feels really bad, it feels like "bad me" and the aggression is turned against yourself.
Maybe if you waited four minutes and tapped them on the shoulder, what it feels like is - they are really wrong, and they did this to me, and its their fault that I'm in this situation.
But somehow, if at that moment, you were to pause, and start breathing and let the whole thing unwind and unravel, and hang out in the impermanent yet ineffable space - if you were to do that you might realize that all of this blaming of other people, when you went into it deeper, you would see that the seed of it was really some deep discomfort and aggression about yourself.
And if you went more deeply into that, you would probably find sadness.
And I quote this so much, this Poem of Rick Fields, where he said:
Behind the hardness there is fear
And if you touch the heart of the fear
You find sadness (it sort of gets more and more tender)
And if you touch the sadness
You find the vast blue sky

This is really what I am encouraging is the next time you feel yourself hooked, if you pause and you breath with it, and you don't act out and you don't repress, but you think of this quote, and you think the ones that will create the new culture that is needed are those that are not afraid to be insecure.
Whatever it is that you think at that moment, maybe this is what it feels like to be burning up the seeds that have caused all the pain on this earth - this is what that feels like.
I always feel that somehow you have to reframe that bad feeling - so that you see it as a doorway to liberation, as an opening to the vast blue sky.

A teaching by Pema Chödrön excerpted from a talk entitled "Practicing Peace in Times of War"
published by Shambhala Publications

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O cão e o budismo

"DISCÍPULO: - Como posso encontrar a minha natureza de Buda?
MESTRE: - Tu não tens natureza de Buda.
DISCÍPULO: - E os cães?
MESTRE: - Eles, sim, eles têm natureza de Buda.
DISCÍPULO: - Então, por que não tenho natureza de Buda?
MESTRE: - Porque precisas perguntar.
Os cães não têm simplesmente a natureza de Buda: a sua própria natureza canina é a natureza de Buda. E o que os torna pequenos Mestres Zen peludos, salivantes, latidores, pedintes, brincalhões? Bem, há um koan, ou ditado budista, do mestre Zen Shunryu Suzuki, do século 20, que o resume sabiamente:
“Há algo de blasfêmia em dizer-se como o Budismo é perfeito como filosofia ou ensinamento se não se sabe o que realmente é.”
A nosso ver, Suzuki não poderia ter dito melhor. Nunca deveríamos presumir que presumimos saber. E menos ainda um cachorro. E é exatamente esta a pista do Cão Zen. Mesmo nos piores dias de cão, os cães sentam-se, param e abanam o rabo para expressar devoção, honestidade, lealdade, amor, compaixão e alegria – as mais puras qualidades Zen. Isso é tão visível quanto o focinho frio e úmido nas suas caras. Os cães vivem o momento presente. A cada minuto que começa ou acaba com o próximo osso, bola, migalha de pão ou até com o cheiro realmente desagradável que venham a farejar, os cães vivem a verdadeira alegria da vida. Certamente não foi obra do acaso terem sido os cães os primeiros animais a serem domesticados pelo ser humano e terem-lhes permanecido fiéis desde então. Talvez seja por isso que não duvidam que têm um espaço garantido na cama – milhares de anos de serviço os tornam merecedores de pelo menos uma boa noite de sono. E, depois de um cansativo dia de trabalho, aqueles olhos puros, meigos, de cachorrinho olhando para você com devoção canina, atiram longe o stress mais tenaz e o ânimo mais deprimido. E, quando o humor já está recobrado, fazem todo o possível para partilhar dessa felicidade – sobretudo se for a sua felicidade – com demonstrações de energia positiva, balançando o corpo e saltando de pura alegria. Talvez um único ano de vida de um cão valha por sete anos humanos porque eles não têm coisas inúteis a fervilhar nas suas mentes, assim como podem armazenar sete vezes mais amor num ano do que qualquer um de nós. Na categoria gosto-não-se-discute os cães ganham de longe. Quantas vezes já viu cães amando incondicionalmente os seus donos – mesmo quando são pessoas muito difíceis – de um modo que talvez o próprio Buda visse como um desafio a ser vencido? Talvez eles amem essas pessoas simplesmente porque são capazes disso e aceitem voluntariamente o dever do combate emocional, uma vez que sabem, assim como Buda sabia, que o ódio não se vence com o ódio, o ódio é conquistado pelo amor. Os cães fiéis ensinam os seus donos, mesmo aqueles que não são dignos de ser chamados de pessoas, a amar de novas e diferentes maneiras.Outro presente que trazem para nossas vidas é uma lição da arte de identificar o que é verdadeiramente importante – uma cesta à tarde num lugarzinho cheio de sol, uma relva num cálido dia de primavera ou um belo e longo passeio sem destino certo. Aprendemos a ter paciência quando tentamos ensiná-los a dominar a arte de sentar-se, ficar de pé ou ir buscar algo. Qualquer pessoa que tenha sido acordada ao amanhecer, com latidos pedindo um passeio, recebeu uma lição de dedicação altruísta, do tipo da que faz a si perguntar-se já tinha mesmo noção de quem é o Mestre nas relações homem-cão, invertida o tempo todo. Como bem disse Buda, de forma muito simples e profunda:
Controle seus sentidos,
O que você prova e cheira,
O que vê, o que ouve.
Em tudo, seja o Mestre do que faz, diz e pensa.
Seja livre.
Os cães não sabem falar e, convenhamos, certamente não têm as papilas gustativas mais refinadas do reino animal (eles deixam isto para a dengosa turma felina), mas estão sempre demonstrando um domínio dos próprios sentidos. Certamente seus aguçados focinhos conseguem não só desenterrar o osso velho, ora pronto para uso, que haviam enterrado sob a sua roseira predileta um ano e meio atrás, como também conseguem farejar a sinceridade e a ternura nos seres humanos. E, a partir do momento em que conseguimos ver claramente por onde seus focinhos passaram, os cães mostram-nos como descobrir o melhor de nós mesmos. Usam seu refinadíssimo olfato de forma miraculosa, seja para avisar famílias sobre incêndios no meio da noite, seja para localizar nódulos cancerosos nas pessoas, utilizando seus focinhos extraordinariamente apurados para prevenir tragédias que os alarmes contra fogo e médicos experientes não conseguiram detectar. E é essa mesma sensibilidade que fareja carências numa pessoa quando uma gentil esfregadela do focinho ou uma lambidela tola no rosto oferece um bem-vindo e carinhoso toque de cómico alívio. Mesmo que as papilas do seu paladar possam não parecer refinadas, eles certamente têm seus petiscos favoritos – um biscoito crocante, deliciosos sapatos novos italianos ou, melhor ainda, a gostosa maciez de sua bola de tênis favorita. Quanto a gostar de pessoas, têm suas predileções, lembrando-se de algumas delas depois de anos sem vê-las ou mesmo viajando centenas de quilômetros para reunir-se aos seus amados humanos. Os cães vêem-nos como somos ou até mais profundamente; vêem-nos como podemos ser. A fidelidade de um cão ajuda-o a fechar os olhos para a fealdade das pessoas que o maltratam, vendo nelas apenas a beleza enquanto espera pacientemente que o seu lado melhor venha à tona. Se fôssemos suficientemente sábios para dar uma olhada nos espelhos da alma de um cão, veríamos que o amor ali reflectido está directamente voltado para nós. Todos já ouvimos falar da aguçada audição canina, já vimos suas orelhas ficarem em posição de alerta e perguntamo-nos o que estaria ele ouvindo. Seria alguma secreta estação de rádio canina que só eles conseguem sintonizar? Ouvimos constantemente histórias de cães heróicos que salvaram pessoas que gritavam por socorro; eles têm uma capacidade auditiva tão sutilmente sintonizada que só pode estar alocada nos seus corações. Contudo, sofrem de um problema de audição seletiva – palavras como saia e deite não são registradas do mesmo modo que vamos passear ou comida – ,
mas, venhamos e convenhamos, um cachorrinho não fica mesmo faminto mostrando-se tão dedicado o dia inteiro? E que lugar melhor para ficar roendo vigorosamente um osso do que um confortável sofá? Quando os seus humanos chegam a casa, sentam-se e ouvem tintim por tintim tudo que aconteceu no trabalho, os suspiros abafados, jamais fazendo o outro sentir que ele preferiria estar ocupado com alguma outra coisa. Se
estão a pensar agora: “Mas quem é que fala com seus cachorros?”, pelo que sei, a resposta é bem simples: um bocado de gente. E por que não? Quem mais escuta dessa maneira? Os cães sempre se mostrarão bons
ouvintes, presumindo que você é realmente inocente. Mesmo que se prove o contrário, o seu cachorro nunca o deixará perceber que ele está entediado ou tem alguma queixa de você. De maneira absolutamente Zen, os cães incorporam um grau de fidelidade, constância e firmeza em relação a seus donos que, em geral, os discípulos Zen só aspiram conseguir em relação a seus Mestres. Os cães mostram-nos como é uma natureza
altruística; ajudam-nos a deixar de lado nossas tendências ao egoísmo e a preocupar-nos exclusivamente conosco para subir às alturas do compromisso e da dedicação, onde finalmente poderemos aprender a instalar-nos, e lá ficarmos firmemente comprometidos com nossas ideias espirituais. Podemos todos aprender a abster-nos de julgamentos com os nossos companheiros de quatro patas que nunca nos julgam pelas roupas que vestimos, pelo emprego que temos ou pela companhia que compartilhamos. Eles tratam a todos com a mesma generosidade de espírito, voltando sempre a merecer o título de Melhor Amigo do Homem. Cão Zen nasceu de um desejo de mostrar o puro e inalterável amor canino. Não só o dos mais doces, que são — tãããããão — engraçadinhos, mas o dos verdadeiros cães da raça McCoy, que são Zen de uma maneira que só eles sabem ser. Esperamos que, mesmo por alguns momentos, este livro, mais do que um tributo aos peludos pequenos Mestres Zen, nos ajude a dar uma boa olhada sobre nós mesmos pelo espelho da honestidade, lealdade, dedicação e espírito surpreendentemente puro dos cães. Quando encontro um cão claramente em sintonia com a sua própria natureza, olho-o bem nos olhos e faço a seguinte pergunta: “E então, o que fazes para ganhar a vida?” Inevitavelmente, qualquer um digno de sua raça tem a mesma resposta: “Eu sou apenas um cão.” E simplesmente entrega todo o seu coração ao que veio fazer aqui – servir a seus donos, ensinar-nos o que é o amor incondicional, dar-nos o presente de aprender a estar presente – ele cumpre sua missão de cão como um verdadeiro Mestre. Pois, no final das contas, a presteza da mente é que é a sabedoria. Observe uns olhinhos fixos no sanduíche que está a comer e logo ficará a saber que eles estão atentos e conscientes do fato de que, se fizerem aquele olhar de eu-um-pobre-coitado-faminto, naquele momento você poderá sucumbir. E, se acontecer que um biscoito caia no chão da sala de estar, você descobrirá que a sua desenvolvida mente Zen captou o fato, pois, antes que a chuva pare de cair, ele já terá conseguido ouvir um pássaro e perceber que o sol está a caminho. Mesmo deitado sob o sofá, conseguirá encontrar aquele biscoito que escapou da mão do seu dono."

Via e-mail da minha amiga Mariza Schmidt.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Ser budista é...

"Certa vez, eu estava num avião, na poltrona do meio da fileira de um vôo transatlântico, quando um homem simpático sentado ao meu lado fez uma tentativa de ser cordial. Vendo minha cabeça raspada e saia cor de vinho ele concluiu que eu era budista. Quando foi servida a refeição, o homem, atenciosamente, se ofereceu para pedir uma refeição vegetariana para mim. Tendo presumido corretamente que eu era budista, ele também presumiu que eu não comia carne. Esse foi o início da nossa conversa. O vôo era longo e, para afastar o tédio, passamos a falar de budismo.
Com o passar do tempo, tenho me dado conta de que as pessoas frequentemente associam o budismo e os budistas à paz, à meditação e à não-violência. De fato, parece que muitos pensam que vestes cor de vinho ou de açafrão e um sorriso sereno é tudo o que se precisa para ser budista. Sendo eu um budista fanático, devo me orgulhar dessa reputação, especialmente por seu aspecto de não-violência, tão raro nesta época de guerras e violência, sobretudo a violência religiosa. Ao longo da história da humanidade, a religião parece ter gerado brutalidade. Ainda hoje, atos de violência praticados por extremistas religiosos dominam os noticiários. No entanto, posso dizer com confiança que, até o presente, nós budistas não nos desonramos. A violência nunca teve um papel na propagação do budismo. No entanto, em razão da formação budista que recebi, também me sinto um pouco descontente quando vejo o budismo ser associado a nada além de vegetarianismo, paz e meditação. O príncipe Sidarta que sacrificou todo o luxo e conforto nos palácios, deveria estar em busca de algo mais do que mansidão e vida campestre quando se pôs a caminho para descobrir a iluminação.
Embora em essência seja bastantes simples, o budismo não se presta a uma explicação fácil. Ele é complexo, vasto e profundo, quase além da imaginação. Embora seja não-religioso e não-teísta, é difícil alguém apresentar o budismo sem um tom teórico e religioso. À medida que o budismo chegou a diferentes partes do mundo, as características culturais que foi acumulando o tornaram mais complicado de decifrar. Roupagens teístas, como incenso, sinos e chapéus multicoloridos conseguem atrair a atenção das pessoas, mas, ao mesmo tempo, podem ser obstáculos. Elas acabam pensando que isso é tudo o que constitui o budismo, afastando-se assim, da sua essência."

Dzongsar Norbu Khyentse Rinpoche - "O Que Faz Você Ser Budista?" - Editora Pensamento