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domingo, 7 de dezembro de 2008

Thây - "Você nunca nasceu."


Quando você olha para a folha de papel que está lendo, pode pensar que ela não existia antes de ser feita no moinho de papel. Mas há uma nuvem flutuando nesta folha de papel. Se não houvesse nuvem, não haveria chuva e, portanto, nenhuma árvore poderia crescer para nos dar esse pedaço de papel. Mesmo se você não é um poeta, pode ver a nuvem flutuando neste pedaço de papel e se você remover a nuvem, o papel entra em colapso. Olhando profundamente nela, tocando-a profundamente, você pode ver também a nuvem. Poderíamos perguntar se este papel existiu antes de nascer? Ele veio do nada? Não, algo nunca vem do nada. A folha de papel inter-é com o brilho do sol, com a chuva, com a Terra, com a fábrica de papel, com os trabalhadores da fábrica, com a comida que eles comem todo dia. Portanto a natureza do papel é interser. Se você tocar a natureza do papel, toca tudo no cosmos. Antes do seu nascimento na fábrica, o papel era brilho do sol, era uma árvore. Você pode também pensar que quando nasceu, de repente se tornou algo do nada; de ninguém, de repente se tornou alguém. Mas na verdade, o momento do seu nascimento no hospital ou em casa foi apenas um momento de continuação, porque você já existia na sua mãe há nove meses. Isto significa que sua data na certidão de nascimento não está correta. Você tem que voltar nove meses para trás. Portanto agora talvez você acredite que tem a verdade, que o momento de sua concepção é o momento em que você começou a existir. Mas deveríamos continuar a olhar profundamente. Antes do momento da concepção, você era nada, ninguém? Antes disso, metade de você estava no seu pai e a outra metade na sua mãe, em outra forma. É por isso que mesmo o momento da concepção é um momento de continuação. Imagine o oceano com sua multidão de ondas. As ondas são todas diferentes; algumas são grandes, algumas pequenas, algumas são mais bonitas que outras. Você pode descrever ondas de muitas maneiras, mas quando você toca uma onda, está sempre tocando algo mais – água. Visualize-se como uma onda na superfície do oceano. Assista enquanto você está sendo criado – você cresce na superfície, permanece um pouco e então retorna ao oceano. Você sabe que em algum ponto você irá terminar, mas se você sabe como tocar a base de seu ser – água – todos os seus medos irão desaparecer. Verá que como onda, divide a vida da água com todas as outras ondas. Esta é a natureza do interser. Quando você vive apenas a vida de uma onda e não é capaz de viver a vida da água, sofre muito. Portanto a realidade é que você nunca nasceu – se você definir nascimento como se tornar algo de nada, se tornar alguém de ninguém. Cada momento é um momento de continuação. Você continua a vida sobre novas formas, isto é tudo. Quando uma nuvem está prestes a se tornar chuva, não tem medo, porque embora saiba que ser uma nuvem flutuando no céu é maravilhoso, ser chuva caindo nos campos ou no oceano é também maravilhoso. É por isso que o momento que a nuvem se torna chuva não é um momento de morte, mas um momento de continuação. Há pessoas que pensam que podem reduzir coisas a nada. Eles podem eliminar pessoas, podem assassinar alguém como John F. Kennedy, Martin Luther King Jr. ou Mahatma Gandhi, com a esperança que eles irão desaparecer para sempre. Mas o fato é que quando você mata alguém, esta pessoa se torna mais forte que antes. Mesmo esta folha de papel não pode ser reduzida a nada. Você já viu o que acontece quando colocamos um fósforo aceso em uma folha de papel. Não pode reduzi-la a nada, ela continua como calor, cinza e fumaça. Buda e Mara Quando falamos sobre o que Buda é, temos que falar também sobre o que Buda não é. O oposto de Buda é Mara. Se Buda é iluminação, então tem que haver algo que não é iluminação. Mara é a ausência de iluminação. Se o Buda é entendimento, então Mara é desentendimento, e se o Buda é bondade amorosa, então Mara é ódio ou raiva e assim por diante. Se não entendermos Mara, não podemos entender o Buda. Assim como a rosa é feita de elementos não-rosa, o Buda é feito de elementos não-Buda, e entre esses elementos está Mara. Se o lixo não existisse, então a rosa não poderia existir também. Este insight é tão importante que transformou completamente meu entendimento do Buda. Quando você olha para uma rosa, pode vê-la como imaculada e muito bonita. E o oposto da rosa é o lixo, que não é bonito e não cheira muito bem. Mas se olhar profundamente para a rosa, verá que o lixo está nela, antes dela, depois dela e também neste momento. Como isso é possível? Jardineiros não jogam fora o lixo. Eles sabem que com carinho, em apenas alguns meses, o lixo se tornará composto que pode ser usado para fazer crescer alfaces, tomates e flores. Jardineiros são capazes de ver flores ou pepinos no lixo. Além disso, eles sabem que todas as flores se tornam lixo. Este é o significado da impermanência – todas as flores se tornam lixo. Embora ele seja fedorento e desagradável, se você sabe como cuidar dele, pode transformá-lo novamente em flores. Isso é que o Buda descreveu como o modo não dualístico de ver as coisas. Se olhar as coisas desse modo, entenderá que o lixo é capaz de se tornar uma flor e a flor é capaz de se tornar lixo. Cada vez que praticar a plena consciência – quando vive em plena atenção – você é um Buda. Quando vive no esquecimento, você é Mara. Mas não pense que Buda e Mara são inimigos e que passam o dia todo lutando entre si. Não. Eles são amigos. Aqui segue uma história que eu escrevi: Um dia, o Buda estava em uma caverna, onde estava fresco. Ananda, seu assistente, estava praticando meditação caminhando perto da caverna, tentando interceptar as muitas pessoas que sempre vinham visitar o Buda, de forma que ele não recebesse convidados o dia todo. Neste dia, enquanto Ananda estava praticando, viu alguém se aproximando. Quando a pessoa chegou perto, Ananda reconheceu Mara. Mara tentou o Buda na noite antes dele se tornar iluminado. Mara disse ao Buda que ele poderia se tornar um homem de grande poder – um político, um rei, um presidente, um ministro ou um bem sucedido homem de negócios com dinheiro e lindas mulheres – se ele desistisse de sua prática de plena consciência. Mara tentou duramente convencer o Buda, mas não funcionou. Embora Ananda tenha se sentido desconfortável ao ver Mara, Mara já o tinha visto, portanto não poderia se esconder. Eles se cumprimentaram. Mara disse: “Eu quero ver o Buda.” Quando o líder de uma corporação não quer ver alguém, ele pede para sua secretária dizer: “Desculpe, ele agora está em uma conferência.” Embora Ananda quisesse dizer algo assim, sabia que estaria mentindo e ele queria praticar o Quarto Treinamento - não mentir. Portanto ele decidiu dizer o que estava em seu coração para Mara. “Mara, porque o Buda deveria vê-lo? Qual o motivo? Você não lembra que foi derrotado pelo Buda sob a árvore de Bodhi? Como você ousa vê-lo de novo? Não tem vergonha? Porque ele deveria vê-lo? Você é seu inimigo.” Mara não foi desencorajado pelas palavras do Venerável Ananda. Ele apenas riu enquanto ouvia ao jovem. Quando Ananda terminou, Mara riu e perguntou: “Realmente seu professor diz que tem inimigos?” Isto fez Ananda ficar muito desconfortável. Não parecia correto dizer que o Buda tinha inimigos, mas ele disse! O Buda nunca disse que tinha inimigos. Se você não está concentrando muito profundamente ou plenamente consciente, pode dizer coisas que são contrárias ao que você sabe e pratica. Ananda estava confuso. Ele entrou na caverna e anunciou Mara, esperando que seu professor dissesse, “Diga a ele que não estou em casa!” ou “Diga a ele que estou em uma conferência.”Para surpresa de Ananda, o Buda sorriu e disse: “Mara! Maravilha! Peça a ele para entrar!” Ananda estava perplexo pela resposta do Buda. Mas ele fez o que o Buda disse e convidou Mara para entrar. E você sabe o que o Buda fez? Ele abraçou Mara! Ananda não podia entender isso. Então o Buda convidou Mara para sentar no melhor lugar da caverna e virando-se para seu amado discípulo disse: “Ananda, você poderia ir e nos preparar um chá de ervas?” Como você deve ter adivinhado, Ananda não estava muito feliz com isso. Fazer chá para o Buda era uma coisa – ele poderia fazer milhares de vezes ao dia – mas fazer chá para Mara não era algo que ele queria fazer. Mas como foi o Buda que pediu, ele não poderia recusar. Buda olhou amavelmente para Mara. “Querido amigo”, ele disse, “como tem passado? Está tudo bem?” Mara respondeu: “Não, as coisas não vão bem, elas vão mal. Estou muito cansado de ser Mara. Quero ser outra pessoa, alguém como você. Onde quer que você vá é bem vindo e as pessoas te reverenciam. Você tem muitos monges e monjas com faces amáveis te seguindo e te oferecem bananas, laranjas e kiwis.” “Onde quer que eu vá”, Mara continuou, “tenho que vestir a persona de um demônio – tenho que falar de uma maneira convincente e manter um exército de pequenos demônios maliciosos. Cada vez que expiro, tenho que respirar fumaça do meu nariz! Mas eu não ligo muito para essas coisas; o que me aborrece bastante é que meus discípulos, os pequenos Maras, começaram a falar sobre transformação e cura. Quando eles falam sobre liberação e budeidade, não posso suportar. É por isso que eu vim para te pedir se podemos trocar os papéis. Você pode ser Mara e eu serei Buda. Quando o Venerável Ananda ouviu, ficou tão aterrorizado que pensou que seu coração poderia parar. Como ficaria se o Buda decidisse trocar papéis? Então Ananda seria o assistente de Mara! Ananda esperou que o Buda recusasse. O Buda calmamente olhou para Mara e sorriu. “Você acha que é fácil ser um Buda?” Ele perguntou. “Pessoas estão sempre me entendendo mal, colocando palavras na minha boca. Eles constroem templos com estátuas minhas feitas de cobre, gesso, ouro e até mesmo esmeraldas. Grandes multidões me oferecem bananas, laranjas, doces e outras coisas. Ás vezes sou carregado em procissão, sentando como um bêbado em cima de flores. Eu não gosto de ser esse tipo de Buda. Muitas coisas danosas foram feitas em meu nome. Portanto, você pode ver que ser um Buda é também muito difícil. Ser um professor e ajudar a prática das pessoas não é uma profissão fácil. Na verdade, eu não penso que você gostaria muito de ser um Buda. É melhor se ambos continuarmos a fazer o que estamos fazendo e tentar fazer o nosso melhor.” Se você estivesse lá com Ananda, e se estivesse plenamente consciente, poderia ter sentido que Buda e Mara eram amigos. Eles se complementam como dia e noite, flor e lixo vindo juntos. Este é um profundo ensinamento do Buda. Agora você tem uma idéia de que tipo de relação existe entre Buda e Mara. Buda é como a flor, muito fresca e bonita. Mara é como o lixo – fedorento, coberto de moscas e desagradável de tocar. Mara não é de forma nenhuma agradável, mas se você sabe como transformar Mara, Mara se tornará o Buda. E se você não souber como tomar conta do Buda, ele se tornará Mara. Olhando as coisas desse modo, sabemos que os elementos não-rosa, incluindo o lixo, se uniram para tornar a rosa possível. Portanto o Buda é algo como a rosa. Mas se você olhar profundamente no Buda, verá Mara; Buda é feito de elementos de Mara. E quando você entende esse ensinamento budista, pode ver a vacuidade de tudo, porque nada tem sua própria existência absoluta. Uma rosa é feita de elementos não-rosa, por isso não tem existência separada; é por isso que é chamada vazia. Uma rosa é vazia de um eu separado, porque é sempre feita de elementos não rosa. Interser inclui tudo – não apenas o Buda e Mara, rosas e lixo – mas também sofrimento e felicidade, bem e mal. Pegue o sofrimento, por exemplo. Sofrimento é feito de felicidade e felicidade é feita de sofrimento. Bem é feito do mal, e mal é feito do bem. Direita é feita da esquerda e esquerda é feita da direita. Isto precisa daquilo para ser. Removendo isto, aquilo irá desaparecer. O Buda disse, “Isto é porque aquilo é.” Isto é um ensinamento muito especial do budismo. Portanto a prática da meditação budista começa com a aceitação da rosa e do lixo em nós. Quando vemos a rosa em nós, ficamos felizes, mas estamos conscientes que se não tomarmos cuidado disso, rapidamente se tornará um pedaço de lixo. Portanto, aprendemos como tomar conta de forma que ficará conosco mais tempo. Quando começa a deteriorar em lixo, não ficamos com medo, porque sabemos como transformar o lixo na rosa de novo. Portanto quando você testemunhar um sentimento de ansiedade, se você olhar profundamente para ele, verá uma semente de felicidade e liberação aí. É assim que a transformação acontece.

(Do livro “Under a Rose Aplle Tree” – Thich Nhat Hanh (Thây) – traduzido por Leonardo Dobbin)
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Sutra da Essência do Tatágata



Kanzeon

Palestra proferida por Monge Genshô
Sesshin de Carnaval:17 a 20 de fevereiro de 2007
Data:18 de fevereiro, período da tarde
Título: Comentários sobre Teishos de Taizan Maezume Roshi
Tema: Kanzeon
Decupada da gravação, digitada, editada e revisada por Denkô.

“O Dharma incomparavelmente profundo e de uma sutileza infinitas é raramente encontrado mesmo em milhões de milhões de ciclos universais.Possamos nós agora ouvi-lo,aprendê-lo e guardá-lo.Ouçamos cuidadosamente as palavras do Tatághata.”
Quem não sabe o que quer dizer Tatághata? Tatághata é um dos nomes de Buda, significa aquele que é, assim como é. Este tipo de afirmação é bastante profunda. Aquele que é, assim como é. Talidade é uma palavra que pretende traduzir suchness, em inglês, que quer dizer as coisas tal como são, exatamente como são. Isso é um conceito um pouco difícil à primeira vista porque parece que as coisas são como são, mas as coisas não nos parecem como são, nos parecem diferente daquilo que realmente são, por exemplo, quando eu não precisava de óculos, óculos era uma coisa que as pessoas velhas ou que não enxergavam bem usavam, depois, quando eu comecei a precisar de óculos, óculos passaram a ser uma coisa maravilhosa porque me permitem ler, pois sem óculos está tudo fora de foco. Portanto, as coisas mudam de acordo com a nossa percepção delas. Então, é através da nossa maneira de ver que as coisas manifestam as suas qualidades, são impregnadas da nossa percepção e não são como realmente são. Por exemplo, esta madeira desta casa, para um cupim, é comida, e para nós não, então nem o cupim nem nós sabemos o que é realmente a madeira. Cada um de nós tem uma imagem da madeira de acordo com a nossa visão pessoal. Esta nossa visão pessoal altera o mundo que nós vemos, o mundo percebido.
E poderia dizer que ninguém nessa sala vê as coisas tais como são. Exceto num momento iluminado. Por exemplo...estou tentando dar muitos exemplos porque sei que o conceito é difícil e sem exemplos ele não é entendido. Um antigo mestre hindu disse que uma linda moça sem sua pele é como um coelho esfolado. Isso quer dizer que os homens olham para as moças e as acham lindas, apenas com aquilo que eles emprestam para elas porque na verdade o corpo delas é o corpo de um animal. Nós como homens nos encantamos com a beleza por causa de hormônios nossos e condicionamentos da nossa própria natureza que é automaticamente feita para ver a beleza e o atrativo na bela moça, e da mesma maneira a moça olha para um belo rapaz e tem a mesma percepção distorcida porque empresta a ele qualidades que estão dentro dela, que ela quer ver, porque na realidade ele sem sua pele também é como um coelho esfolado. Thich Nhat Hanh diz que a madeira, que era o meu primeiro exemplo, na realidade é chuva, sol, carbono da atmosfera fixado, muitas coisas e quando nós olhamos a madeira nós não vemos a madeira. Nós não vemos as coisas tais como são porque vemos todo o tempo através do filtro da nossa consciência, conhecimento, experiência, gosto pessoal.
É isso que acontece, por isso talidade é um coisa tão importante porque a talidade é quando somos capazes de olhar uma coisa e vê-la exatamente como é sem mais nenhuma idéia, nem julgamento. Esse é um dos motivos porque nós treinamos tanto, ficar sentado, sem julgar e por isso que a instrução é: seja qual for o pensamento que se apresente na mente de vocês não julguem certo ou errado, bom ou ruim, só deixe que ele vá embora, sozinho. Não o persiga, não goste dele, não cultive bons pensamentos e memórias, não se horrorize com maus pensamentos, para que treinemos uma mente capaz de algum dia ser capaz de ver as coisas sem opiniões.(Comentário de Monge Genshô)


Kanzeon
(Cont.)

De modo que Maha Prajna Paramita significa
que a sabedoria se revelou agora,
não apenas como você, mas como toda a vida,
de tudo.
E nós a estamos vivendo!
E nós somos vividos por ela!
Isso é o que significa mahaprajnaparamita,
e é isso o que o Bodisatva Avalokiteshvara faz.


Neste trecho, há um conceito que originalmente em língua japonesa parece mais claro, que faz mais sentido. Na tradução para o português, assim como para o inglês não faz o mesmo sentido. A pergunta é: nós estamos vivendo ou é a vida que está nos vivendo? De certa maneira nós estamos vivendo, mas de outra maneira mais ampla a vida inteira está nos vivendo. Nós somos apenas parte da vida. Nós é que pensamos que somos especiais, indivíduos que precisam se iluminar para ver as coisas tais como são. Se vocês olharem pela janela e perguntarem, mas e esta árvore ali fora no meio de toda esta floresta ela precisa se iluminar? Não, ela não cogita, não pensa. Ela vive naturalmente. Como ela vive naturalmente nem teme a morte. Ela partilha a existência dela com a floresta. Ela não é indivíduo. É a própria floresta. Quando ela morre dela nascem outras árvores. Ela aduba o solo. Coisas assim acontecem. A floresta é que é o ser, o grande ser e as árvores em si nascendo e morrendo não tem muita importância. Existe um equilíbrio nisso. Nós conseguimos entender isso olhando para a floresta. Nós temos enorme dificuldade para entender olhando para os seres humanos. Quando morre um ser humano nós choramos ou nos entristecemos. Quando nascem nos alegramos, é assim porque nós vemos todos os seres humanos como indivíduos, porque olhamos para nós como separados. Se nós apagássemos esta noção de que somos indivíduos separados, e nos sentíssemos a humanidade, ou mais do que a humanidade, os seres sencientes, ou mais do que os seres sencientes, nos sentíssemos como - a vida; nascimento e morte não teriam mais importância. Por não conseguirmos enxergar assim é que tememos a morte, por isso nós sofremos, ficamos na margem de cá, porque a margem de lá seria a percepção com sabedoria de Prajna Paramita. A percepção da outra margem não tem essas angústias. Porque ela também não tem mais a noção de um eu. Budismo parece muito complicado. Falamos muito, ensinamos muito sobre muitos aspectos filosóficos, mas se nós fossemos resumir o budismo seria com isso – não há um eu. Não há um eu intrínseco a coisa alguma. Se nós conseguíssemos desconstruir esse eu tudo estaria resolvido. (Comentário de Monge Genshô)

No Hannya Shingyo nós lemos

Hannya Shingyo quer dizer o coração do sutra. Quando nós dizemos Sutra do Coração está errado, não é escritura do coração, na realidade o que chamamos de sutra do coração é o coração do sutra. O Prajna Paramita é uma coleção de quarenta sutras que explica a sabedoria, como o sutra do diamante, por exemplo. E o conceito de bodisatva é expresso magnificamente num texto curto que é o Hannya Shingyo que é o coração desses sutras, a essência desses sutras. Como é a essência, o coração do Sutra Prajna Paramita. Maka Hannya Shingyo.(Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: por favor, de que ano e de onde é o sutra?
Resposta: Deve ser do século II, início da era cristã, na Índia. Os sutras Prajna Paramita foram escritos em sânscrito o que já é uma coisa interessante, porque as primeiras escrituras estão expressas em páli e Buda provavelmente falou o dialeto maghada da língua páli, o Cannon inicial foi escrito em páli, a linguagem normal da época. O páli que é uma palatização da língua anterior, uma pronúncia muitas vezes sem r, em páli sutra é sutta, dharma é dama, então o páli já é uma palatização ou seja a língua torna-se mais suave. Uma coisa que vem acontecendo com o português por exemplo, nós dizemos fato mas há 100 anos em português era facto, era conectivo e hoje nós dizemos fato, conetivo. Então, o português vem sofrendo palatização e o páli a mesma coisa em relação ao sânscrito que era a língua mais antiga, a língua mãe. Os Sutras Prajna Paramita, foram escritos em sânscrito porque os budistas tinham se tornado eruditos, tinham universidade etc então a língua mais própria, para escrever era a língua mais nobre, a mais antiga, a língua culta. Então a gente pode bem ver qual é a origem, como o sutra foi escrito? Se foi escrito em páli é uma coisa, se é um sutra escrito em sânscrito, é outra, há ainda sutras escritos em chinês e transcritos para o sânscrito para parecerem mais antigos.

No Hannya Shingyo nós lemos.
Fazendo profundo prajanparamita...
e Dogen Zenji diz, aqui, de uma bela maneira:
Clara visão do corpo inteiro...
...
Como pode o corpo ter visão clara?
...
O corpo inteiro, ele mesmo é a própria visão!
...
O corpo todo é!
Esse tipo de visão não dual
é o que significa transcendente.

Essa questão da dualidade é bastante importante no Budismo Mahayana. No Cânon páli e no budismo mais antigo as coisas são claramente separadas em certas ou erradas. Isso é certo, isso é errado. Isso é bom, isso é ruim. Essa é uma prática com a qual nós começamos, nós temos isso no Zen, quando fazemos a cerimônia de preceitos, o Jukai, usamos os preceitos, nós damos regras claras, não matar, não roubar etc são regras que dizem isto é certo, aquilo é errado. Quando nós chegamos no Budismo Mahayana, Nagarjuna começa a explicitar a questão da não dualidade e da vacuidade. A questão da não dualidade é um passo a mais que diz que não existe esta divisão clara, isso pode deixar alguns budistas confusos, porque de um lado a nossa conduta pode ser classificada em certo, errado, convencionalmente. De forma absoluta é que não se pode dizer isto. No exemplo da árvore que nós estávamos dando no início, eu disse: nascimento e morte para ela não existe, esta é a visão não dual e ela é a própria vida e a vida continua, não nasce nem morre, essa é a visão não dual, mas do ponto de vista convencional nós sabemos esta árvore nasceu e vai morrer.(Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: na linguagem relativa, uma percepção relativa?
Resposta: Sim, do modo relativo é assim mesmo, nasce, morre, estraga, seca, no modo absoluto não, não é assim não tem morte nem nascimento porque nós estamos olhando a floresta e a floresta continua. Lá no topo do morro se forma uma nuvem que estou vendo quando o vento passa e sobe a umidade do ar se condensa e forma-se uma nuvem com gotículas de água. Aquelas gotículas passam para o outro lado, sobem, mas a nuvem está sempre lá no topo do morro porque se tem sempre vento subindo, condensando fica lá a nuvem. Não é a mesma nuvem, mas é a mesma nuvem.

Pergunta: Só trocou as substâncias?
Resposta: Exatamente, você trocou a substância do seu corpo, só que é menos visível na questão da nuvem, mas é isso mesmo.Você perde ferro, ingere ferro, vai trocando as substâncias que estão no seu corpo como a nuvem, então de uma certa forma é o mesmo e não é o mesmo. Em sua substância não é o mesmo, mas na sua manifestação que nós estamos vendo é a mesma pessoa. Essa é a diferença entre relativo e absoluto. Tem um poema famoso chamado Sandokai sobre o relativo e absoluto que nós recitamos freqüentemente em cerimônias também.

Pergunta: Somos nós também parte do fluxo cósmico?
Resposta: Sem dúvida nenhuma.Nós é que pensamos que não somos. Nós é que pensamos que somos eu aqui agora e depois eu nasci e eu vou morrer porque eu estou pensando e olhando e vendo os outros, porque eu estou vendo então é um sonho .Eu estava conversando sobre isso com Saikawa Roshi e eu disse... é um sonho. E ele disse, assim: mas é um sonho tão vívido... porque o que acontece aqui agora, é o nosso sonho de que estamos aqui agora sentados ouvindo uma palestra do Dharma num retiro, é um sonho muito vívido, parece verdade mesmo, parece completamente real, mas na verdade ele só ocorre dentro da nossa mente, dentro do nosso cérebro.
E a pergunta é: mas se se apaga meu cérebro, se eu morro, onde está esse universo? Quem sou eu realmente? No budismo nós queremos responder essa pergunta com uma percepção profunda em vez de ficarmos nos iludindo com histórias de que somos uma alma que vai trocando de corpo ou espírito ou coisa assim, nós queremos atingir essa compreensão profunda do sonho do nosso eu aqui agora e descobrir e perceber que nós não somos essa pessoa que nasceu e vai morrer. Nós não somos estes condenados à morte que estão todos sentados aqui nessa sala e isto é que significa libertar-se da morte também e de todos os apegos e sofrimentos. Esta é a liberdade, entender, alcançar a nossa verdadeira natureza que não é a desse ser que está aqui agora com esse corpo, vivendo o primeiro dia do resto das nossas vidas a cada dia. Esta idéia é bem clara, amanhã começa o resto das nossas vidas. Amanhã é o primeiro dia desse resto. Está terminando e cada dia não se repetirá. É menos um. Mas quem somos nós? Estamos pensando isso, esse fenômeno do nosso cérebro funcionando, essa ilusão que fecha os olhos, dorme e tem outra ilusão, quem somos nós realmente além desse sonho momentâneo? Esta não é uma resposta para ser dada com uma solução de fé. No Zen o monge não vem aqui e diz assim: é assim, acreditem. Não é assim, tentem e descubram através da meditação quem são realmente, porque posso dizer algumas coisas a respeito, mas não posso dar respostas para ninguém, todo mundo tem que ver com os seus próprios olhos e cada um vê com os seus próprios olhos. Quando a gente consegue responder a pergunta “quem é você?” para um mestre, de forma satisfatória, é uma libertação deste papel que estamos representando, é uma solução, é uma realização espiritual libertadora e é isso que a iluminação é – libertação dessa condição de nascimento e morte.

Transcendente.
Não algo a ser transcendido,
mas a vida de cada um de nós é transcendente.
Essa é a vida que estamos vivendo,
e, quando você realmente compreende isso,
significa compreender o que é o todo,
não fica tão difícil,
e vivê-lo também não.
Você compreende que não existe
outro jeito que você possa viver.
Não é algo
que deva tentar realizar
amanhã.

Este prajna e os cem gramas
são sinônimos de Mu-ji e, definitivamente,

Mu-ji é uma referência ao primeiro koan de mumonkan. Mumonkan é uma coletânea de koans e o primeiro é o cachorro de Joshu. Um monge perguntou para Joshu: o cachorro tem natureza búdica? Joshu respondeu: mu. Mu significa nada, não, literalmente.Mas esse koan é resolvido perguntado assim: o que é mu? Onde está mu? Mostre-me mu agora nesta cadeira, mostre-me mu no seu sapato. (Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: Mu significa nada não?
Resposta: Literalmente, nada não. Mu é uma partícula negativa. Há muitas considerações. O comentário no Mumonkan diz: se você resolver esse koan ganhará uma grande espada e com ela você poderá cortar a cabeça do seu mestre e de todos os patriarcas. Este é o estado de libertação também.

Kannon Bodisatva também é,
como são cachorros e gatos
e nós mesmos.
Aqui e agora,
quero que vocês realmente apreciem a si mesmos
como Bodisatva Avalokiteshvera.
Vocês fazem shikantaza?Isso é ótimo.

Shikantaza é o que estamos fazendo, apenas percebendo, apenas sendo junto com todas as coisas.(Comentário de Monge Genshô)

É koan?Isso é ótimo.
Seja quem você for
ou o que quer que faça,
você pode apreciar sua vida como
Bodisatva Avalokisteshvera.

Dogen Zenji diz, no Bendowa
mesmo que uma pessoa sente
em shikantaza, zazen,
imprimindo o selo de Buda sobre
corpo e boca e mente,
todo céu, todo o espaço,
em outras palavras, o universo inteiro,
tudo se torna o selo de Buda.

O que ele está tentando dizer é que se sentamos em shikatanza, colocamos o selo de Buda em todas as coisas. Então, elas todas manifestam o absoluto, porque se sentamos e percebemos sem julgamento, as coisas podem mostrar a sua talidade, porque o que nos impede de ver a talidade é nossa opinião. Por isso é tão fácil ver o estado dos alunos quando eles se manifestam, porque a manifestação tem ou não tem ego, quanto tem de ego, quanto é desejo de aparecer, opinião, quanto é eu, fica fácil.Uma vez estava com um grupo de alunos do Zen e pedi que cada um falasse sobre a sua experiência, eles falaram, alguns de forma bem bonita. Mas um disse: eu precisava dar uns comunicados sobre coisas que estava fazendo para a Sangha, falou e calou. Eu pensei: que mente maravilhosa, porque quando pedimos para ele falar ele não estava pensando nele, ele estava pensando na comunidade, então naturalmente da sua boca saiu o que ele estava fazendo e não deu nenhuma opinião pessoal. Ele realmente mostrou sem querer uma qualidade.(Comentário de Monge Genshô)

Qualquer coisa, todas as coisas são uma manifestação
de Mahavairochana Buda.

Maha vocês sabem é grande, Vairochana é um dos Budas transcendentes, Buda de sabedoria normalmente é apresentado fazendo gesto de sabedoria. Literalmente Mahavairochana quer dizer como um sol. Aqui é bem uma questão etnocêntrica. A gente fala Mahavairochana Buda e as pessoas dizem: quem é este Buda? Como é a estátua dele? Eu sou devoto de Mahavairochana Buda, por exemplo. Ele é apenas um dos aspectos de manifestação de Buda, não é um ser em particular.(Comentário de Monge Genshô)

Isso é Mu-Ji.
Isso é dharmakaya.
Por isso é que entoamos
puro darmakaya Vairochama Buda.
Nós não estamos apenas balbuciando palavras.
Elas têm implicações muito claras!
Darmakaya, isto é, Um.

Darmakaya é toda essa manifestação absoluta. É darmakaya se manifestando e esse é também um dos aspectos de Buda. Nós recitamos na oração das refeições – Darmakaya Vairochana Buda.(Comentário de Monge Genshô)

E Mu parece ser
o Buda Mahavairochana,
e Mahavairochana Buda parece ser
uma centena de gramas,
e cachorros também.

É por isso que Dogen Zenji diz, no Fascículo de Kannon, que o
Bodisatva Avalokiteshvara
É o Tatagata com o nome de Sho-Bo-Myo,
Iluminação do Darma Correto.

E de fato, todos vocês
tem a sabedoria e compaixão de Kanzeon.
Isso é o que apreciamos juntos
e fazemos mais e mais iluminados.
Iluminados, não de um modo brilhante, pomposo,
mas iluminados através da nossa ação!
A maneira como fazemos uma reverência,
a maneira como fazemos gassho,
a maneira como andamos,
a maneira como servimos.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Gosto de MPB, Jazz, música boa.


É só um link. Uma rádio. Ligo e fico digitando, traduzindo, crochetando, arrumando a casa e dançando com a vassoura. E tudo fica mais leve... http://www.jango.com/music

Chamando o Lama à Distância


Glorioso e precioso Guru Raiz!
Senta-te sobre o lótus acima da minha cabeça.
Com a tua grande bondade, por favor, aceita-me.
Confere os siddhis do teu corpo, fala e mente.
OM AH HUNG BENZRA GURU PEMA SIDDHI HUNG



sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

À mãe, Rigdjed Lhamo, Tara Vermelha e seu séquito


Vacuidade repleta dos mais excelentes atributos, permeando por inteiro o samsara e o nirvana.
Fonte de todos os budas dos três tempos sem exceção, mãe suprema, dharmakaya, perfeição da sabedoria.
Prostro-me à nobre mãe Tara!
No reino iluminado das Flores de Lótus Entrelaçadas o Buda Olhos de Lótus Sem Desejo conduz incontáveis seres à felicidade.
Prostro-me à nobre mãe Tara!
De acordo com a disposição e a acuidade próprias daqueles a serem pacificados e por intermédio da sua capacidade mágica de se manifestar aparecendo seja por que forma for e pacificando por todos os meios possíveis, surgem as Vinte e Uma Deusas que são as suas emanações.
Diante de todas elas eu me prostro!

Privacidade. Completa sinceridade.

Complete Sincerity
Makoto

Eu falo sozinha! Assim, ninguém me contesta! Coisa de gente doida? Acha? Duvido que ninguém nunca conversou sozinho e, se não conversa, pensa e pensa muito! Um diálogo interno torturante! Tenta parar! Tenta uns cinco minutos de shamata!
Meu cunhado, muito engraçado e espirituoso, confessou que fala sozinho e, quando não pode falar, pensa tanto que diz baixinho para si mesmo:
- Pô, cara! Cala a boca!
Outra coisa é fone de ouvido. Ótimo quando você quer ouvir mantras perto de quem não é budista, ouvir as músicas que você gosta perto de quem não compartilha do mesmo gosto, escutar música enquanto trabalha.
Coisa de privacidade. Privacidade fonoauditiva.
E para quem não sabe, um dia desses ainda explico o que é shamata.

Tradução chata!





Estou fazendo uma tradução chata, de um manual de carro, uma MG-TD 1951 que meu marido tem e está fazendo reparos. É chata porque o manual é cheio de termos técnicos, eu não entendo nada de carros, meu marido quer para AMANHÃ e, ainda por cima, não vai me pagar!
A MG é igual a essa. Só que não tem as rodas raiadas que não são originais. As originais são como as da foto acima. A MG do marido é branca com o estofamento azul marinho. Linda! Mas a tradução... Putz!
...
Para nunca mais esquecer: bolts and nuts são parafusos e porcas. Crankshaft é eixo virabrequim. Dowel é cavilha ou cavidade. Stud é rebite. Steel-backed bearings são rolamentos de aço. Big-end é cabeça de biela. Ai de quem traduzir finalzão! Scrapping é raspagem no intuito de limpar uma peça ou de dar contato se ela for da parte elétrica. Re-ground, abbuting e bearing-journals, nos termos em que se relacionem com carros, eu não achei em lugar nenhum! Se alguém descobrir me fala, por favor?

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

E adoro postar imagens!

Gosto de tudo limpinho e arrumado.


Gosto de dormir em paz.


(foto de Henry Cartier Bresson)

Eu medito.


Faço crochet


Adoro chocolate. O amargo.




Eu costuro




O dia em que conheci Chagdud Rinpoche


Tashi delek!
Eu sabia do Rinpoche. Mas considerava o fato de ir até à rua Mato Grosso à noite, uma coisa difícil, fora de mão, perigosa até. Mesmo indo de carro. Lia nos jornais, namorava a notícia, guardava o recorte, mas não ia.
Ainda exercia a profissão na qual me formei. Decoradora. Um dia, buscava no catálogo o endereço de um estofador na avenida Nossa Senhora do Carmo quando me deparei com outro endereço: Centro de Budismo Tibetano Chagdud Dawa Drolma! Hã?!
Empolguei-me! Afinal de contas, tão perto de casa, dava prá ir a pé! Rapidamente resolvi o estofador e liguei de imediato para o Centro. Mas o telefone só caía na secretária eletrônica, pedindo para deixar a mensagem. E eu não tinha uma mensagem assim pronta para dar. Desliguei, pensei, e liguei de novo. Deixei uma mensagem falando que gostaria de conhecer o Centro.
Passou muito tempo. Liguei de novo e a mesma secretária eletrônica. Cheguei a me irritar pensando que, ah, não tem ninguém lá, deve ser engano, não funciona nada lá. Deixei de lado.
Um dia, minha prima me liga convidando para conhecer seu novo espaço de Liam Gong. No mesmo dia, me liga Alice – você mesmo, Tartaglia! – falando que o Rinpoche estava na cidade e que, se eu quisesse, era só comparecer.
Troquei de programa imediatamente e hoje dou graças a Deus porque o espaço da minha prima, assim como tudo que ela faz, foi pro espaço mesmo! E fui ao budismo.
Cheguei constrangida, embaraçada, sem graça. Afinal, não conhecia ninguém e nem sabia o que me esperava, como me comportar.
Entrei no salão e vi um homem enorme, um gigante imenso sentado num trono, girando um sino e um vajra, murmurando mantras, chocalhando um tambor. Como que hipnotizada, sentei-me numa almofada e fiquei admirada, olhando para ele. A moça que o traduzia falava de coisas como disco de sol, disco de lua, luzes se irradiando e eu não entendia nada! Ela se chamava Andréa Socorro de Lima e hoje é a nossa querida Lama Sherab.
Finalmente, ela falou que iríamos tomar iniciações. Como assim? Falou sobre compromisso. Naquele dia, tomei três iniciações – Tara Vermelha, Ngöndro e P’howa – sem ao menos saber da importância de tudo aquilo. Só sei que saí de lá com a sensação profunda de que tinha feito um juramento, um compromisso, um samaya!
E nunca mais deixei de lado o budismo tibetano de Sua Eminência Chagdud Tulku Rinpoche com seus métodos e caminhos.
Daqui a um mês, se tudo correr bem, estarei no Khadro Ling, lugar mais que sagrado, local em que ele escolheu para viver e para morrer. Morrer... isso não existe! Ele está aqui, comigo, neste exato momento!
Emaho!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Prece ao Lama


Insuperável Lama! Você que é tão precioso quanto minha própria respiração, por favor, reze para que eu ganhe ímpeto para praticar e corrigir minha conduta!

Que os mecanismos de minha mente sejam esclarecidos a fim de que tenha acesso a um tesouro de realizações espirituais!

Que eu possa me abster de julgamentos arrogantes e imaturos e renunciar aos afazeres limitantes desta vida e à totalidade das existências cíclicas!

Que eu possa adquirir uma visão pessoal profunda dos quatro pensamentos e que eles possam se integrar completamente ás minhas atividades cotidianas informando todos os aspectos de minhas vidas!

Que todos os seres possam atingir as mesmas realizações!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Às vítimas da enchente em Santa Catarina


"Como desenvolver Boddhicitta.

A questão então é: 'Como cultivamos e desenvolvemos boddhicitta, a mente da iluminação?' A chave e a raiz são uma grande compaixão. Compaixão aqui,
refere-se a um estado mental que torna totalmente intolerável para nós ver o sofrimento dos outros seres sencientes. O caminho para desenvolvê-la é através do entendimento de como nos sentimos a respeito de nosso próprio sofrimento. Quando ficamos conscientes de nosso sofrimento, temos um desejo espontâneo de nos libertar dele. Se formos capazes de estender esse sentimento para todos os outros seres, por meio da realização do desejo instintivo comum que todos temos de evitar e superar o sofrimento, o estado mental é chamado de 'grande compaixão'.
Todos temos o potencial para desenvolver esse tipo de compaixão porque, sempre que vemos pessoas sofrendo, em especial aqueles que nos são próximos, na mesma hora sentimos empatia em relação a eles e testemunhamos uma reação espontânea dentro de nossa mente. Assim, tudo o que temos a fazer é trazer esse potencial à tona e, a seguir, desenvolvê-lo para que se torne tão imparcial que possa incluir todos os seres sencientes, sejam amigos ou inimigos.
Para cultivar a grande compaixão dentro de nós, antes de mais nada temos que desenvolver o que é chamado bondade amorosa, um sentimento de conexão ou proximidade com todas as criaturas vivas. Essa proximidade e intimidade não deve ser confundida com aquele tipo de sentimento que, em geral, temos em relação a quem amamos, que é maculado pelo apego. Esse apego, em função do qual pensamos: 'Esses são meus amigos... esses são meus parentes...', é baseado no ego e no egoísmo. Quando desenvolvemos a bondade amorosa, não somos instigados por esse raciocínio egoísta. Pelo contrário, buscamos desenvolver um sentimento de proximidade sobre o fato de que o sofrimento é inerente à própria natureza desses seres, sobre o desamparo de sua situação e sobre o desejo instintivo que todos têm de superar o sofrimento. Quanto maior for a força de nossa bondade amorosa em relação aos outros seres, maior a força de nossa compaixão. E, quanto maior a força de nossa compaixão, mais fácil será para que desenvolvamos um senso de responsabilidade para tomarmos para nós a tarefa de trabalhar pelos outros. Quanto maior o senso de responsabilidade, mais bem-sucedidos seremos em gerar boddhicitta, a genuína aspiração altruística de atingir o estado de buda para o benefício de todos.
Em segundo lugar, um fator importante no cultivo da compaixão é desenvolver um insight profundo de dukkha ou de como, nesse ciclo da existência como um todo, a própria natureza da vida é insatisfatória. Isso, de fato, está na primeira nobre verdade - a verdade do sofrimento. Se o nosso insight dessa verdade não for profundo o bastante, em vez de gerar compaixão pelos seres sencientes, poderemos sentir inveja daqueles que, por padrões mundanos, sejam considerados bem-sucedidos, ricos ou poderosos. Se tivermos emoções desse tipo, será um indicativo de que nossa percepção do sofrimento é rasa demais para nos permitir avaliar realmente a difusão do sofrimento nas vidas das pessoas presas ao círculo vicioso do samsara. Entretanto, se nosso entendimento do sofrimento for profundo o bastante, então desenvolveremos um senso espontâneo de quão intolerável é a vida nesse círculo da existência como um todo. Ter esse sentimento de 'intolerabilidade' é o que nos permitirá avaliar o sofrimento dos outros de modo mais espontâneo. Do contrário, nosso cultivo da compaixão será, de certa forma, hipócrita. Por mais que possamos pretextar ter compaixão pelos seres sencientes, bem no fundo, poderemos permanecer com inveja e ciúme das pessoas que são vistas como bem-sucedidas aos olhos do mundo.
Em resumo, a compaixão genuína é cultivada quando temos dois fatores dentro de nossa mente. O primeiro é um insight profundo de como o sofrimento é a natureza da vida no ciclo da existência em geral, junto com a sensação de sua intolerabilidade. O segundo é realizar a igualdade de nós mesmos com os outros: todos temos a tendência natural de buscar a felicidade e tentar evitar o sofrimento, bem como temos o direito natural de buscar a felicidade e tentar evitar o sofrimento. É essa realização que nos levará a trocarmos nós mesmos pelos outros, pois, embora todos compartilhemos dessa inclinação natural e direito comuns, a diferença está nos números. Quando estamos falando de nosso próprio bem-estar, não interessa o quanto possamos ser importantes, permanece a questão de ser um único indivíduo, enquanto os outros são infinitos em números. a partir desse ponto de vista, eles são bem mais importantes do que nós apenas.
Esses dois fatores da mente - um insight profundo do sofrimento, ligado à realização de que os outros são mais importantes do que nós mesmos - vão dar origem a um senso de responsabilidade para trabalharmos pelo benefício dos outros. Isso nos levará a gerar compaixão genuína dentro de nós mesmos."
Sua Santidade, o 14º Dalai Lama - Dzogchen - páginas 145 a 147.

sábado, 29 de novembro de 2008

Lama Padma Samten - "Exemplo Zen é sempre com arroz."



Introdução ao Budismo

Existem muitas formas de introduzir o pensamento budista. Farei uma abordagem geral, voltada aos aspectos mais internos do que significam os ensinamentos do Buda.
Apresentando o budismo como um remédio para duka
O budismo pode ser apresentado como um remédio. Olhemos esse aspecto em primeiro lugar. O próprio Buda ofereceu os ensinamentos dessa forma. Quando o Buda era um príncipe, percebeu que todos os seres estavam submetidos a uma doença geral. Essa doença tem um nome específico, mas não existe correspondente para essa palavra no Ocidente. Lá no Oriente chamam essa doença de duka. Embora todos tenhamos essa doença, talvez não percebamos sua existência. Essa doença é algo como alegria e sofrimento inseparáveis. Na visão budista existe uma única palavra para esses dois conceitos, eles não podem ser separados. Em nossas línguas acontece o contrário, estes conceitos estão separados e não podem ser unificados em um único termo.
Duka pode ser explicado de forma simples a partir do fato de que, quando temos alegrias, elas são sempre, simultaneamente, sementes de sofrimento. Dizemos que esta é uma experiência cíclica — é como uma roda girando entre as polaridades de estar bem e estar mal. Gostaríamos de encontrar o freio quando estamos na região de felicidade, e gostaríamos de acelerar quando estamos tristes. Às vezes achamos que encontramos um controle de velocidade desse tipo, mas logo surgem problemas nessa tentativa de controle.
O primeiro exemplo que me surge é o de uma mãe que deseja ter um filho. Quando o bebê nasce, primeiro ela pensa: "Que maravilha!" Depois ela percebe que tudo que acontece ao filho a perturba intensamente. Na exata medida da intensidade daquela alegria, surge o sofrimento. E assim é com todas as relações humanas.
Outro exemplo: uma pessoa está em algum lugar — não sei bem onde poderia ser — e vê um ser maravilhoso, fantástico, inacreditável. Esta pessoa pede aos deuses: "Por favor, deixe-me chegar perto daquele ser tão maravilhoso." Se por acaso os deuses estão de bom humor, podem até conceder alguma interação… E logo a pessoa descobre-se vigiando aquele ser, absolutamente insegura em relação à sua tênue conexão com ele. E o mais curioso: a intensidade da vigilância, a intensidade do sofrimento causado por esta vigilância e a intensidade da insegurança quanto aos rumos da relação correspondem exatamente à intensidade da beleza daquele ser. Ou seja, quanto maior a beleza, maior a vigilância, o sofrimento e a insegurança.
Chamamos isto de duka. Não há como evitar este tipo de inquietação. Para todas as características favoráveis que percebemos no mundo, existem problemas correspondentes, exatamente no mesmo grau.
Há problemas de outros tipos. Há os ligados à impermanência. Lembro de um casal que sofreu uma tragédia verdadeira. Seu carro foi levado por uma enchente, e a filhinha disse: "Papai, não me deixe morrer." Mas os filhos ficaram dentro do carro, e os pais, ainda que tenham sobrevivido, não puderam resgatá-los. Todas as vezes que esses pais lembrarem disso, vão sofrer.
Outra situação mais amena: olhamos para uma bandeja de doces maravilhosos [alguém havia enviado uma bandeja de doces ao lama naquele dia] e pensamos: "Que maravilha!" Podemos até ficar contemplando a bandeja e examinando cuidadosamente nossos apegos, examinando como surgem os ventos internos e as reações condicionadas. Tiramos a tampa da bandeja, e surgem energias nítidas dentro do nosso corpo… tapamos, e as energias se vão. Este é um exercício interessante.
Cada pequeno objeto, cada pequena pedrinha na paisagem tem uma correspondência interna em nós na forma de energias que percorrem nosso corpo e nervos. A isto chamamos ventos internos. Nosso apego não é às coisas, mas aos ventos internos que elas provocam. Os ventos internos são a experiência íntima dos objetos e também dos seres. Esta dependência e apego são a base de duka.
Os problemas ecológicos são outros exemplos de duka. Nunca desejamos destruir a natureza. Queremos apenas meios de transporte, adubos, plásticos, papel, refrigeradores... Mas isso gera problemas. Cada uma das ações humanas tem um objetivo, mas cada uma delas tem um resultado também. Isso é resumido pela palavra duka.
No sentido geral, cada um dos seres sente duka em seu próprio corpo. Cada um nasce, envelhece, adoece e morre. No sentido budista, quando a morte vem, não é o fim. Dentro do círculo representado pela palavra duka, há uma semente de intenção que perdura, o que morre é um personagem. É como um filme que acaba no cinema; outras imagens vão surgir na tela após a projeção daquele filme. Se há um cinema, outro filme sempre entra em cartaz.
Temos um processo infindável de vida, nascimento, decrepitude, morte, vida. Não precisamos acreditar no renascimento. Pode-se ficar em uma morte apenas, mas ainda assim não conseguimos frear a doença de duka.
Todos os aspectos do budismo são propostos como remédios para esta doença. É por causa desta doença que surge o budismo. Observando de forma ampla o sentido de duka, percebemos que Buda a estudou detalhadamente e descobriu uma natureza que está além de toda esta complicação.
Podemos ter uma noção do que seja isso da seguinte forma: reconhecemos que fomos bebês, criancinhas, crianças maiores, adolescentes, adultos — e em cada etapa é como se houvesse toda uma visão de mundo correspondente. Temos uma identidade, olhamos com estranheza as vidas que os outros levam. De dentro do nosso ponto de vista, nunca entendemos completamente o que os outros fazem.
Lembro da minha adolescência; eu olhava para as outras pessoas e achava aquelas vidas muito estranhas, realmente não conseguia entender por que as pessoas se portavam daquela forma. Via crianças sendo maltratadas e tinha uma sensação de grande vantagem por ter minha própria mãe. Quando estamos imersos na nossa própria forma de ver as coisas, só podemos ver de forma estranha o modo de vida dos outros.
Então percebemos que nossas próprias visões anteriores eram visões particulares. Ao examinarmos as várias fases de nossa vida, percebemos que as várias visões são perfeitas enquanto acontecem, mas não são de forma alguma estáveis, permanentes. Quando elas mudam, pode surgir uma pergunta: "O que permaneceu ao deixarmos de ser crianças e nos tornarmos adultos?" O que permanece é um misterioso brilho interno. O Buda usou este mesmo exemplo da criança, do adolescente e do adulto. Ele apontou esta essência que vai transitando de um para outro, esta capacidade de discriminar, como a qualidade que está mais próxima do permanente.
Assim, a partir deste processo, se quisermos ver o que é o budismo de fato, não devemos pensar em épocas, pois a experiência de duka não está limitada pelo tempo… O próprio Buda histórico, o Buda Sakyamuni, não foi o primeiro Buda. Como ele mesmo relata, serviu e ouviu instruções de incontáveis Budas no passado.
Ao aprofundarmos o significado da palavra Buda, percebemos que os primeiros Budas surgem quando surgem as complicações. O budismo não é algo messiânico, Buda não veio anunciar alguma coisa, ele veio manifestar uma liberdade que a maior parte dos seres não vê. Na medida em que os Budas periodicamente aparecem e dão ensinamentos é que surge o budismo.
O budismo não é propriamente algo que pertença à história humana. Algumas vezes as pessoas colocam os ensinamentos espirituais desta forma: "Quem foi o fundador do budismo? Quando e onde surgiu o budismo? O budismo acredita em reencarnação? Que tipo de preceitos morais são praticados pelo budista? Qual a diferença entre tal e tal escolas budistas?" Esta análise do budismo em forma de questionário talvez não ajude muito.
Para o cristianismo existe o Antigo Testamento e a tábua de Moisés, que ele recebeu de Deus no topo do Monte Sinai. Assim surgem os ensinamentos cristãos: Deus se apresenta a Moisés e revela a verdade. O cristianismo depende da Bíblia, ela é a verdade para o cristão.
No sentido budista não existe uma bíblia. Já que colocamos os ensinamentos budistas na forma de um remédio destinado a remover o sofrimento originado por duka, quando isso acontece, ou seja, quando o sofrimento gerado por duka realmente cessa, atinge-se uma situação além de espaço e de tempo, de escrituras e profetas. Assim se dá a liberação da existência cíclica.
Mas o que fazemos quando estamos liberados? A primeira coisa que fazemos é abandonar o remédio. O budismo se extingue com seu efeito. Quando a liberação acontece, o budismo some completamente.
Existem várias imagens para descrever este processo. A imagem do barco, por exemplo. Existe o rio do sofrimento, a margem do sofrimento e o barco da liberação, que leva à margem da liberação. Tudo o que fazemos é atravessar o rio e abandonar o barco. Não teria sentido ficar no barco. Quando chegamos ao destino saímos do barco. Tudo que fazemos é atravessar, então abandonamos o barco. Quando fazemos uma viagem de ônibus, o que se faz? Será que pensamos: "Vamos ser fiéis ao ônibus?" Não. Ao final da viagem abandonamos o ônibus.
Quando a pessoa se vincula aos ensinamentos budistas ela não está se filiando a uma experiência sectária. Ela está apenas em busca da liberação da existência cíclica — o Buda é apenas um guia. Por exemplo: se uma pessoa está na cidade de São Paulo e precisa ir de um extremo ao outro, talvez isto seja muito difícil se ela não conhece a cidade; mas, da segunda vez, talvez seja bem mais fácil. A função do Buda é esta: ajudar as pessoas a percorrer o caminho até a liberação do sofrimento de duka. O Buda completou o trajeto. Depois, durante 46 anos, ele deu o ensinamento de como cruzar efetivamente para a outra margem.
Durante a vida do Buda, as pessoas guardavam de memória o que ele falava. Quando o Buda desapareceu, elas registraram em papel. E surgiu uma vasta obra escrita baseada nos ensinamentos orais do Buda. Muitos seguidores do Buda escreveram muitos livros, sempre lembrando que "a sabedoria não está nos livros". Então estudamos minuciosamente aqueles textos e sabemos de cor que "a sabedoria não está nas palavras".
Agora os ensinamentos chegam à língua portuguesa. Traduzimos do tibetano, chinês, japonês, sânscrito ou páli, para o português. Parece contraditório traduzir textos, mesmo sabendo que a sabedoria não está lá… É que, ainda que não esteja, os textos podem, eventualmente, umedecer as sementes de sabedoria que temos naturalmente. Esta é a sua função.
Estamos apresentando o budismo através da palavra duka. Há representações dela — as imagens da roda da vida são exemplos. A roda da vida é muito interessante, em outra ocasião abordarei isso, sobre como meditamos na roda da vida, como mudamos nosso comportamento na vida cotidiana de acordo com isso. Estes métodos fazem do budismo algo realmente excelente.

Apresentando o budismo através do Buda
Outra forma de explicar o budismo seria de uma forma positiva. Ao invés de começar com o sofrimento de duka, explicamos o budismo através da forma do Buda. Ou seja, através da palavra Buda. O que é Buda? A natureza completamente liberta dos hábitos, dos condicionamentos grosseiros e sutis. Como sabemos que somos presas de tais comportamentos? Basta olharmos para uma bandeja de doces. Dizemos: "Muita gordura, muito açúcar, isso não faz bem." Mas, ainda assim, percebemos que os doces seguem nos atraindo, independentemente de nossas convicções e tratados médicos a respeito, ou de sabermos por experiência própria que doces nos deixam enjoados após comermos alguns a mais.
Cada vez que decidimos não mais fazer alguma coisa, dizer não a algo, há uma região, onde surgem os impulsos, que parece não ser afetada pelas decisões… Podemos dizer não ao cigarro, não ao álcool, não ao videogame, mas estas coisas seguem nos atraindo. Podemos dizer não à inveja, ao desejo-apego, ao cansaço, à ganância, à raiva ou ao orgulho. Mas parece que tudo continua funcionando da mesma forma, apesar de nossa decisão.
Algumas vezes brinco que Charles Bronson é meu mestre. Faço o teste: "lamas não podem matar"; daí ponho a fita no vídeo, coloco uma estatuazinha do Buda sobre a TV e fico rezando durante o filme, mas aos dez minutos de filme já surge o impulso: "Mata, mata logo, vai!" Por isto ele é um mestre, aponta a violência oculta, mas presente. Aponta a fragilidade latente…
Isso quer dizer que temos emoções perturbadoras. E então descobrimos o sentido de uma palavra muito importante — a palavra carma. Porque, se estudamos a liberação, temos que estudar o processo oposto, o aprisionamento, que chamamos de carma.
Ao observar as grandes poesias e músicas, vemos que são sempre sobre nossos impulsos: "Eu não devia fazer tais coisas, no entanto, elas são mais fortes." Elas são sempre sobre duka, daí há duas correntes opostas: "Aqueles cinco minutos valeram a pena", e "não, aquilo nunca mais, o custo é demasiado". Por que esses poemas, músicas e ficções nos atraem? Por que vivenciamos aquilo? Por que aquela energia percorre nossas veias? Isso acontece porque estamos presos no mesmo tipo de situação mental. Então, quando falamos de Buda, inevitavelmente temos que falar de carma. Estamos inevitavelmente presos no mesmo tipo de situação descrita na música ou no romance.
Quando olhamos nossa experiência, ao reconhecer tudo isso, vemos que nossa vida tem sido sempre composta de muitos ciclos desse tipo. E de novo voltamos àquele mesmo lugar: "Por que fui atropelado?", "por que ela me deixou?", "por que sempre faço tudo errado?". E então começa tudo de novo, e dizemos: "Ah, agora já sei como é". E as coisas vão assim.
Um mestre já falecido dizia: "Se você culpa seu marido por seus problemas, você tem uma condenação perpétua — os próximos vão ter a mesma cara, os mesmos problemas do primeiro." Com namoradas é assim também. Podemos simplificar todo este processo com uma palavra — carma. É um processo muito sutil, não é uma lei que nos condena. Se fosse assim, não existiria a palavra Buda. Buda não é o ser, não é uma pessoa. Buda é uma condição de libertação de todos esses impulsos.
O Buda também diz: "Não acreditem no que eu digo, testem por si próprios." Ou seja, o que eu ensino não precisa ser tomado como uma verdade a ser aceita. Escutem e testem à sua própria maneira.

Apresentando o budismo através dos ensinamentos
A fala do Buda, seus ensinamentos e explicações sobre o remédio para duka seriam uma terceira forma de apresentação do budismo. É uma apresentação através das Quatro Nobres Verdades e do Nobre Caminho Óctuplo. Se vocês observarem apenas o que está nas Quatro Verdades e no Nobre Caminho, terão dificuldade de reconhecer o budismo, pois estes ensinamentos estão presentes em outras tradições também.
As Quatro Nobres Verdades são: a experiência de existência cíclica; o reconhecimento de que a experiência cíclica é criada artificialmente; a afirmação da possibilidade de dissolução da experiência da existência cíclica; o Caminho de Oito Passos ou Caminho do Meio, que leva à dissolução da fixação à experiência de existência cíclica.
Podemos apresentar o budismo através destas quatro verdades, e o caminho para descobrir a liberdade é o Caminho do Meio, o Nobre Caminho Óctuplo.
O primeiro passo é a decisão de abandonar a existência cíclica e a impermanência. É muito difícil chegar a este ponto. A maior parte do tempo estamos preocupados em ganhar jogos. Isso significaria dizer a um gremista que, se ele abandonasse o campeonato, não sofreria mais. Mas a pessoa diz: "Se eu abandonar o campeonato, não sou mais uma pessoa. Mas e aí? Eu vou desaparecer!" A primeira etapa das oito é muito difícil, é como saltar de um abismo. Parece haver um grande sofrimento nela. Mas, se temos a coragem de ultrapassar este obstáculo aparente, nossa vida muda por completo. Curiosamente, isto é o oposto do que pensamos convencionalmente. Apenas se liberarmos nossa conexão com a roda da vida é que estaremos livres de fato. Presos à roda, podemos querer reconhecimento, dinheiro, uma dúzia de CDs — buscamos essas coisas. É como falar com alguém que está num campeonato de futebol. A pessoa quer ser campeã da Libertadores, campeã do mundo, ou, como naquele decalque muito engraçado que vi outro dia: "Grêmio, Campeão do Planeta". Se tiramos isso da pessoa, parece que a vida perde completamente o sentido. O amadurecimento desta etapa tem uma certa conexão com outras tradições religiosas.
Se a pessoa realiza o segundo passo, vê-se liberada de todos os impulsos negativos da mente. Quando atinge a liberdade correspondente ao terceiro passo, está livre de todos os defeitos da fala e das emoções E, quando atinge a realização, a maturidade do quarto passo, está livre de todas as manipulações de corpo e identidades, está livre de causar mal para si ou para os outros através do corpo, fala (ou emoção) e mente.
No quinto passo ela se vê contemplada com o que poderíamos chamar de sorte. É como se o universo inteiro começasse a conspirar pela pessoa. Nesse momento, tudo funciona não apenas para a pessoa, mas para os outros ao redor dela. Este é o resultado da maturidade da quinta etapa.
A maturidade do sexto passo dá à pessoa uma grande estabilidade. Uma estabilidade de saúde, de vigor físico, de energia. Esta energia estável significa também destemor. Qualquer traço de medo desaparece — isto caracteriza a vitória na sexta etapa.
Quando a pessoa atinge a maturidade relacionada ao sétimo passo, consegue conceber a natureza divina de todas as coisas. Vê com nitidez o que se chama de dupla verdade, o aspecto luminoso, sagrado. Percebe o aspecto ilimitado dos grãos de poeira, das estrelas, da própria mente, da aparência física dos seres, dos carrapatos, de tudo. Também percebe o aspecto ilimitado presente nos seres abstratos, os seres que não precisam de corpos. Dito assim parece muito místico, mas a culpa é das palavras, elas são assim mesmo. Neste terceiro contexto de introdução ao budismo que estou explicando, coloco as palavras desta forma. Mesmo que elas sejam verdadeiras, não produzem as experiências, produzem apenas curiosidade e predisposição pelas experiências verdadeiras.
O oitavo passo significa a liberação completa de todos os sentidos convencionais. Alcança-se a percepção estável do aspecto ilimitado e da inseparatividade de todas as coisas, sem o aspecto convencional. No sétimo passo ainda existe uma dupla verdade, pois há um aspecto convencional em contraponto a um aspecto absoluto. Esses dois últimos passos são a iluminação, a sétima é um tipo de iluminação impossível de superar, e a oitava também. Na oitava apenas não há percepção dual.
E, por curioso que possa parecer, há um passo adicional além do Nobre Caminho Óctuplo. Buda atingiu as oito etapas sentado sob a árvore bodhi, a figueira sagrada, mas depois levantou-se para ir ao encontro dos seres e ajudá-los. É o ponto da manifestação completa da compaixão pelos seres. Ele se levanta para benefício de todos. Não é uma etapa de liberação propriamente dita — a liberação foi concluída no oitavo passo —, é o momento da ação iluminada.
Existe uma divisão comum de três modos de praticar o budismo. Começamos ouvindo ensinamentos, depois meditamos sobre eles e a seguir agimos de acordo. É por isso que estamos construindo um templo. Para fazer girar as várias etapas da roda do Darma. Precisamos de uma sala onde possamos ouvir, outra onde meditar e ainda o ambiente onde agir. Nosso objetivo é ajudar os seres das mais diferentes formas. É a manifestação de uma dimensão humana transcendente. Quando ajudamos alguém há um aspecto extraordinário, cósmico. Quando ajudamos alguém já estamos atuando segundo a compreensão de uma outra pessoa, já nos colocamos em marcha transcendente em relação a nossos próprios impulsos, nossa identidade.
Agora, se quisermos explicar de uma outra forma, ainda dentro dessa perspectiva descritiva, o budismo inteiro pode ser resumido em três palavras. A primeira é Buda, que já expliquei. A segunda é Darma, que mencionei há pouco; é o ensinamento que surge na mente do Buda para beneficiar os seres — como ele tem liberdade perante o que para nós é dificuldade, ele examina o duka dos outros seres e resolve os problemas, manifestando soluções. A terceira é Sanga, e está relacionada ao Buda.
A Sanga surgiu porque o Buda surgiu, 26 séculos atrás. Se não fosse assim, não estaríamos aqui estudando esses ensinamentos. É como se fosse uma fogueira, a chama em si não pertence a um ou dois dos paus queimando. É um calor que surge a partir do conjunto: se separamos um dos paus da fogueira, o fogo termina neste pau. Temos dificuldade de seguir o caminho da liberação sozinhos, mas quando estamos juntos é mais fácil. Chamamos isso de Sanga. Ela é capaz de queimar nossos problemas. Também é comparada a um recipiente e um pilão. Um centro de Darma, um grupo de praticantes, é como se fosse o recipiente, e o sucessivo bater do pilão é a vida cotidiana. Somos os grãos de arroz com casca. A vida vai batendo, e as cascas vão caindo. Este é o efeito da Sanga. O exemplo é do Zen, claro — exemplo Zen é sempre com arroz

Apresentando o budismo através da meditação
Há várias maneiras de introduzir os ensinamentos, vários estilos de ensinamentos. Uma das avenidas tradicionais, ensinada pelo próprio Buda, é o caminho da meditação tranqüilizadora. A gente simplesmente senta e pratica o primeiro dos oito passos, e os outros seguem-se sucessivamente. Com a mesma aparência externa da posição de lótus, segue-se etapa por etapa.
Neste caminho a pessoa entra, senta e vai colhendo as experiências profundas sentado. Este é o caminho que o Buda ensinou. Podemos chamar isto de diana, shamata, vipassana ou samadhi; podemos chamar de samassati, mahasandi, mahamudra. De acordo com o conteúdo, com o que acontece por dentro. O Buda descreve minuciosamente estes passos. O Buda diz: "Não acreditem!", ou: "Nos textos não está a verdade! Testem!"… Mas ainda assim o Buda descreve. O Buda diz que a verdade não está nos textos, mas, dependendo da realização da pessoa, o texto pode espelhar essa realização, e aí pode ser útil de alguma forma.
Temos então o aspecto discursivo, que pode ser misturado com o anterior. Cada um deles precisa dos outros. Se a pessoa só fica sentada, pode ficar apenas em confusão, é preciso algum tipo de instrução. O obstáculo da meditação nunca é resolvido na meditação. A pessoa precisa ouvir os ensinamentos e meditar, mas só ouvir não adianta, ela precisa aplicar na vida cotidiana, e então a meditação funciona.

Apresentando o budismo através da bondade
Depois existe uma outra abordagem, que é simplesmente praticar bondade. A bondade é uma capacidade de ir além da própria identidade e encontrar os outros seres. É uma imediata prática de transcendência ativa. O Dalai Lama diz: "Eu não sou budista, a minha religião é bondade, amor e compaixão." A instrução seria assim: apenas pratique bondade; se tiver dúvidas e pensar: "Isto é fácil, isto é ingênuo", chame o "mestre" Charles Bronson — vai ficar claro como este caminho é desafiador.
Podemos acreditar que existem seres terríveis, responsáveis pelos problemas do mundo. Mas há uma liberdade que não conseguimos captar na sua natureza terrível. Apenas dizer que são terríveis não explica tudo. Um psiquiatra poderia dizer: "Trato todas as pessoas, menos os loucos" —, mas seria um absurdo. O psiquiatra é alguém que tem afinidade com os loucos, ou seja, esta é a função dele. Por isso, não negamos que os seres sejam terríveis ou loucos, mas é porque as coisas são dessa forma que o psiquiatra é necessário.
Na verdade não negamos as características dos outros, mas vamos nos comportar de forma diferente. Os chineses estão trucidando os budistas no Tibete, mas o Dalai Lama, embora não diga que eles são bonzinhos, ainda assim é médico deles também. Os chineses têm suas características e estão dentro da roda.
Há algum tempo aconteceu um incidente com monges na Coréia. Pode parecer que isso apenas "suje" o nome do budismo, mas há um aspecto maravilhoso. As pessoas devem abrir os olhos e ver que não basta fazer os votos, é necessário cumpri-los. Não é por usar uma roupa diferente que se abandona o carma e os impulsos não virtuosos dos seres humanos. Não é tão fácil. Seria como dizer que apenas por se dizer budista uma pessoa estaria iluminada.
Isso me lembra aquele ministro religioso que foi reconhecido em um motel com uma senhora que não era propriamente sua esposa. Foi uma coisa terrível, ele era admirado por muitas e muitas pessoas. Aí ele foi para a TV e disse: "Viram? Eu sempre disse a vocês, o diabo é um perigo verdadeiro!"
Daí os monges aparecem na TV revelando dimensões de grande agressão. Na verdade devemos entender que a roda é um perigo… As coisas são assim, isto revela um lado humano. Os monges são seres humanos. A forma monástica é uma forma de viver. Raspar a cabeça não raspa as emoções perturbadores. O importante é rir. Rir das nossas expectativas e idealizações.
Lembro do primeiro mestre tibetano que ouvi, Sua Eminência Jangom Kongtrul Rinpoche III. Perguntaram a ele: "Os tibetanos estão mais próximos da iluminação que os ocidentais?" Quando Tenzin, o tradutor tibetano, traduziu, o mestre não parava de rir. "Será que é mesmo assim, Tenzin?", Rinpoche perguntou, jocoso. E não parava de rir… Certamente ele sabia algumas boas histórias do Tenzin. Rir é uma coisa bem boa. Rimos de nós mesmos.
Levar as coisas muito a sério é um grave problema. O Buda mesmo disse: "Se alguém fizesse as prostrações para mim pelas minhas 32 marcas, este seria um herege." Pois um ser liberto não é identificado por características particulares. Então, quando criamos expectativas e depois nos frustramos, estamos apenas criando seres e colocando idealmente qualidades ilimitadas neles.
Mas isto foi apenas um longo parêntese sobre a questão da bondade. Essa bondade pode também ser descrita em dez níveis. Mas não há tempo para este estudo aprofundado agora.

Apresentando o budismo através dos Yidams ou da perfeição de todas as coisas
Outra forma aparentemente diferente de se aproximar do budismo é olharmos para as deidades e suas qualidades e procurarmos copiar de imediato estas qualidades. Em vez de pensar na roda, na estabilização meditativa, ou na bondade, praticamos sadanas referentes a Yidams. É um outro caminho, pode ser praticado sozinho, mas caracteriza uma abordagem em si mesma.
Existe ainda uma outra forma, na qual resumidamente se compreende o primeiro passo do Nobre Caminho Óctuplo e se utiliza a vontade de superação da experiência da existência cíclica como combustível poderoso para penetrar nas práticas de meditação na perfeição de todas as coisas. Não vamos usar conceitos de amor e compaixão, não vamos praticar virtudes nem a supressão das não-virtudes; focamos diretamente a natureza ilimitada. O reconhecimento da natureza ilimitada produz a superação de todas as prisões e carmas, nada mais é necessário.
Todos esses métodos têm superposições uns com os outros, e cada um apresenta dificuldades específicas. Neste último método, por exemplo, o foco não está na prática, no trabalho, na família ou nos centros de atendimento. A ênfase está especialmente nos retiros.

Para praticar o budismo…
Há uma grande diversidade de formas de prática no que diz respeito aos ensinamentos. Este é o corpo de ensinamentos do Buda, mas muitos ensinamentos podem vir a ser necessários antes mesmo de se poder entrar no Nobre Caminho Óctuplo. Podemos dizer que 90% ou 95% dos seres não podem praticar imediatamente as Quatro Nobres Verdades e o Nobre Caminho Óctuplo, pois estes ensinamentos pareceriam demasiado sofisticados ou fora de propósito. As pessoas estão presas a ideologias, formas de compreensão, hábitos mentais, soluções aparentes, prioridades invasivas que as impedem. Ajudar estes seres é o foco da maior parte dos ensinamentos dos mestres. Se eles compreenderem a bondade, o amor e a compaixão, isto será maravilhoso.
É como o Buda disse: "Pratiquem a bondade, não criem sofrimento, dirijam a própria mente. Esta é a essência do Budismo."

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"Quando assistimos um filme, a identificação com os personagens é imediata. Ainda que esteja claro que trata-se de uma ficção, as emoções surgem e somos capazes de nos inflamar."
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Informações do Autor…
Padma Samten foi ordenado lama na linhagem Nyingma do budismo tibetano por Chagdud Tulku Rinpoche em 1996. Físico com bacharelado e mestrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde foi professor de 1969 a 1994, dedicou-se especialmente ao exame dos fundamentos epistemológicos e cognitivos da Teoria Quântica, nos quais encontrou afinidade com o pensamento budista. Em 1986 fundou o Centro de Estudos Budistas (hoje Instituto Caminho do Meio), entidade dedicada a promover o estudo e o intercâmbio entre as culturas budistas e não-budistas. Tem dedicado seu tempo e energia não só a ensinar o budismo, mas também a trabalhar pela paz mundial e pelo diálogo inter-religioso e intercultural.

O Significado de Mettabhavanna


Metta: (pali) bondade, amor.
Bhavana: (pali) prática, cultivo, produção, aquisição de domínio, desenvolvimento, reflexão, meditação.
Mettabhavana: MEDITAÇÃO DA BONDADE AMOROSA
Objetivo: purificar a mente de todas as impurezas tornando-a saudável.
“O mettabhavana trata-se de um método de realizações simples e eficiente dirigido à prática do equilíbrio e da pacificação no contexto das nossas relações cotidianas.”
Lama Padma Samten (Guru da Meditação do Lótus)

1) Que (...) seja feliz.
2) Que (...) se liberte do sofrimento.
3) Que (...) encontre as causas da verdadeira felicidade.
4) Que (...) supere as verdadeiras causas do sofrimento.
5) Que (...) se libere totalmente do seu carma.
6) Que (...) manifeste lucidez de modo natural e instantâneo.
7) Que (...) seja verdadeiramente capaz de ajudar os outros seres.
8) Que (...) encontre nisso sua fonte de alegria e energia.

A dor da alma.

Não vão ficar pensando que sou uma suicida! É apenas uma curiosidade um tanto mórbida, devo concordar. Mas é que fico pensando: os suicidas são corajosos, covardes ou loucos mesmo? É. Porque no Aurélio está definido como "desgraça ou ruína procurada de livre vontade ou por falta de discernimento." Aí, no caso dos loucos, é falta de juízo mesmo. Mas e a livre vontade? Querer morrer? Ter vontade de morrer? Ter coragem de matar-se? Ou transferir para o corpo a dor da alma? E vamos mudando de assunto que isso é conversa para psiquiatras ou é coisa que leva à loucura, o que dá no mesmo!

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

"The Suicide" - Antoine Wiertz - Óleo sobre tela - 1794


"Le Suicidé" - de Edouard Manet - Óleo sobre tela - 38X46cm. - 1877/1881

Uma deusa com um menino nos braços?


OM MANI PEME HUNG HRI


TCHEN significa olho;
RE implica a idéia de continuidade;
ZIG significa olhar.
Tchenrezig é, então, aquele que olha para todos os seres continuamente com o olho da compaixão. E seu mantra é
OM MANI PEME HUNG HRI

"Tchenrezig, nome tibetano de Avalokiteshvara, em sânscrito, é 'Aquele que olha para baixo' personificando a misericórdia e a compaixão. Os Dalai-Lamas são considerados sua encarnação. É representado com onze cabeças e mil braços cada um com um olho na palma de cada mão para indicar sua atenção sempre desperta para atender aos que sofrem. Na China, esta entidade é vista como a deusa Kwanyin, deusa da misericórdia. Uma deusa com um menino nos braços."

A dor.


Angústia, melancolia, depressão, tristeza, abafamento, insegurança, ansiedade. Dor na alma. O que é esta dor, uma espécie de queimação que dói, arde no peito quando ficamos com medo? Podemos pegá-la? Ela é física? Quero tirá-la de mim e de todos os outros seres.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Uma carta de Ani-la, a monja Ani Zamba.



"Estou (...) sentada aqui contemplando como o caminho do budismo está sendo introduzido no Brasil e se os chamados professores e guias da tradição budista estão realmente atentos às necessidades dos alunos ou não. A introdução de várias abordagens de um caminho budista como este não é tão facilmente entendida e muitas vezes mal compreendida ou mal interpretada. Alguns dos remédios/métodos que supostamente devem curar nossas neuroses são muitas vezes complexos e para muitos, tão complexos até para começar a entender como tomar ou aplicar à nossa mente e à nossa percepção da vida diária.
Cada tradição ou linhagem do caminho budista tem seus métodos e práticas particulares pelos quais podemos trabalhar com o fenômeno chamado “mente”. Certa vez perguntaram à Sua Santidade, o Dalai Lama qual era a diferença entre as quatro grandes escolas do budismo tibetano. Ele respondeu que era como os quatro cantos de uma bandeja de ouro.
Como sabemos, o Buda deu oitenta e quatro mil ensinamentos na sua vida. Este é um extraordinário acervo de conselhos que responde às necessidades de diferentes seres com vários tipos de capacidades mentais. Isto foi planejado para nos introduzir à nossa confusão e hábitos neuróticos que condicionam a maneira com que experimentamos a vida. Estes ensinamentos nos dão as ferramentas que precisamos para trabalhar com os componentes de nossa neurose. Precisamos entender que a nossa confusão é que é o caminho. Sem confusão não haveria liberação da confusão que leva a terminologia de “Iluminação”.
Estes métodos profundos nos dão um modo de remover nossa confusão e ignorância que agora atuam como um filtro para distorcer a maneira que vemos a vida e que assim resulta em sofrimento.
Eu vejo pessoas indo e vindo. Elas chegam com um monte de expectativas, com uma certa idéia de que elas vão ser salvas de alguma forma sem o menor esforço de suas partes. Esta idéia do salvador, seja Cristo, Buda ou nosso próprio professor não nos ajuda a trilhar o caminho. Precisamos entender que o professor externo é somente uma representação simbólica do professor interno que é a nossa própria natureza de sabedoria e é só um meio para nos conectar com a natureza de sabedoria que todos temos. Como revelar o que já está lá? Como descobrir o que está escondido pelas nossas camadas de condicionamento mental? Precisamos ouvir e estudar os ensinamentos de novo e de novo. Mas isso ainda não é suficiente. Também temos que contemplar o que ouvimos, analisar se o que ouvimos faz sentido para que possamos desenvolver a convicção para integrá-los dentro do nosso mais profundo ser através do processo da meditação que é não conceitual, direto no sabor do significado de todos estes ensinamentos. É quando vocês vêem através da pura percepção. Então, o que surge é pura aparência já que não há mais filtros de fixação dualística. Ela somente é o que é. Finalmente despertamos. Não há mais sono de confusão ou ignorância e assim, não há mais condições que resulta em sofrimento."
Ani Zamba Chozön - 26 de novembro de 2008.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

"A Arte de Lidar com a Raiva - O Desafio da Paciência" - Sua Santidade, o Dalai Lama - Trechos escolhidos por mim


Introdução de Geshe Thupten Jinpa

"Uma história popular que os mestres tibetanos gostam de contar a seus discípulos, narra o encontro de um eremita com um pastor. O eremita vivia sozinho nas montanhas. Certo dia, um pastor passou perto de sua caverna. Intrigado, perguntou-lhe:
- O que está fazendo sozinho no meio do nada?
Ao que o eremita respondeu:
- Estou meditando.
-Meditando sobre o quê?
- Sobre a paciência.
Houve um momento de silêncio. Depois de algum tempo, o pastor resolveu ir embora. Ao se virar, olhou para trás e gritou:
- Antes que eu me esqueça, vá para o inferno!
- Como ousa me falar assim? Vá você para o inferno!
O pastor riu e lembrou ao eremita que ele deveria por em prática a paciência.
Essa história simples ilustra maravilhosamente o desafio principal para quem deseja praticar a paciência: numa situação em que normalmente haveria uma explosão de raiva, como podemos manter a espontaneidade e, ao mesmo tempo, permanecermos calmos na reação? Esse desafio não restringe somente aos que praticam uma religião. É um desafio que cada qual enfrenta ao tentar viver sua vida cotidiana com algum grau de dignidade humana e decência. Quase que a cada passo, deparamos com situações que testam os limites de nossa paciência e tolerância. Seja na família, no ambiente de trabalho ou simplesmente quando interagimos com outros, muitas vezes nossos preconceitos são revelados, as convicções contestadas e a auto-imagem ameaçada. É num momento assim que nossos recursos interiores são mais necessários.
(...) A história também nos diz que a paciência não é algo a ser cultivado isolando-se dos outros. Na verdade, é uma qualidade que só pode surgir no contexto de nossa interação com outros, especialmente com outros seres humanos. A reação espontânea do eremita demonstra que seu desenvolvimento interior era tão instável quanto o castelo de areia de uma criança. Uma coisa é se entregar a doces pensamentos de tolerância e compaixão em relação aos outros no ambiente incontestado da solidão, mas é muito diferente de corresponder a esses ideais nas interações do dia-a-dia com pessoas de verdade. É claro que não se deve subestimar a importância da meditação silenciosa. Essas práticas solitárias interiorizam percepções que sob outros aspectos permaneceriam no nível do conhecimento intelectual. E, como a maioria das tradições religiosas indianas, o budismo defende a meditação como elemento fundamental para o caminho espiritual. Mas persiste o fato de que o verdadeiro teste de paciência só ocorre no contexto da interação com os outros. (...) a paciência genuina só se desenvolve depois que se adquire algum grau de controle sobre a própria raiva."

Trecho de “A Descoberta do Mundo” - do http://blog.antesdeparis.com.br/category/frases-da-clarice-lispector/

As Três Experiências - Clarice Lispector


Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou a minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. "O amar os outros" é tão vasto que inclui até o perdão para mim mesma com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida . Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.
E nasci para escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que, foi esta que eu segui. Talvez porque para outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E no entanto cada vez que eu vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.
Quanto aos meus filhos, o nascimento deles não foi casual. Eu quis ser mãe. Meus dois filhos foram gerados voluntariamente. Os dois meninos estão aqui, ao meu lado. Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angústias, eu lhes dou o que é possível dar. Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo. Mas tenho uma descendência, e para eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia. Sei que um dia abrirão as asas para o vôo necessário, e eu ficarei sozinha: É fatal, porque a gente não cria os filhos para a gente, nós os criamos para eles mesmos. Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres.
Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é meu lote neste mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.
Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse a minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.
Clarice Lispector

Meus favoritos de Lispector


“Sou um homem que tem mais dinheiro do que os que passam fome, o que faz de mim, de algum modo, um desonesto”.
“... mas sem fazer estardalhaço de minha humildade, que já não seria humildade”.
“O dia de hoje e o dia de amanhã será um hoje; a eternidade é o estado das coisas neste momento”.
“Isso será coragem minha, a de abandonar sentimentos antigos, já confortáveis”.
“A palavra não pode ser enfeitada e artisticamente vã; tem que ser apenas ela”.
”Existir não é lógico.“
“O que eu vou escrever já deve estar, na certa, de algum modo, escrito em mim”.
“Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias”.
“Se der para me entenderem está bem. Se não, também está bem”.
“Quando acaricio a cabeça do meu cão sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique”.
“... assim como um cachorro não sabe que é cachorro”.
"Já que sou, o jeito é ser.”
“Para que escrevo? E eu sei? Sei não”.“Quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial”.

sábado, 22 de novembro de 2008