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domingo, 7 de dezembro de 2008

Sutra da Essência do Tatágata



Kanzeon

Palestra proferida por Monge Genshô
Sesshin de Carnaval:17 a 20 de fevereiro de 2007
Data:18 de fevereiro, período da tarde
Título: Comentários sobre Teishos de Taizan Maezume Roshi
Tema: Kanzeon
Decupada da gravação, digitada, editada e revisada por Denkô.

“O Dharma incomparavelmente profundo e de uma sutileza infinitas é raramente encontrado mesmo em milhões de milhões de ciclos universais.Possamos nós agora ouvi-lo,aprendê-lo e guardá-lo.Ouçamos cuidadosamente as palavras do Tatághata.”
Quem não sabe o que quer dizer Tatághata? Tatághata é um dos nomes de Buda, significa aquele que é, assim como é. Este tipo de afirmação é bastante profunda. Aquele que é, assim como é. Talidade é uma palavra que pretende traduzir suchness, em inglês, que quer dizer as coisas tal como são, exatamente como são. Isso é um conceito um pouco difícil à primeira vista porque parece que as coisas são como são, mas as coisas não nos parecem como são, nos parecem diferente daquilo que realmente são, por exemplo, quando eu não precisava de óculos, óculos era uma coisa que as pessoas velhas ou que não enxergavam bem usavam, depois, quando eu comecei a precisar de óculos, óculos passaram a ser uma coisa maravilhosa porque me permitem ler, pois sem óculos está tudo fora de foco. Portanto, as coisas mudam de acordo com a nossa percepção delas. Então, é através da nossa maneira de ver que as coisas manifestam as suas qualidades, são impregnadas da nossa percepção e não são como realmente são. Por exemplo, esta madeira desta casa, para um cupim, é comida, e para nós não, então nem o cupim nem nós sabemos o que é realmente a madeira. Cada um de nós tem uma imagem da madeira de acordo com a nossa visão pessoal. Esta nossa visão pessoal altera o mundo que nós vemos, o mundo percebido.
E poderia dizer que ninguém nessa sala vê as coisas tais como são. Exceto num momento iluminado. Por exemplo...estou tentando dar muitos exemplos porque sei que o conceito é difícil e sem exemplos ele não é entendido. Um antigo mestre hindu disse que uma linda moça sem sua pele é como um coelho esfolado. Isso quer dizer que os homens olham para as moças e as acham lindas, apenas com aquilo que eles emprestam para elas porque na verdade o corpo delas é o corpo de um animal. Nós como homens nos encantamos com a beleza por causa de hormônios nossos e condicionamentos da nossa própria natureza que é automaticamente feita para ver a beleza e o atrativo na bela moça, e da mesma maneira a moça olha para um belo rapaz e tem a mesma percepção distorcida porque empresta a ele qualidades que estão dentro dela, que ela quer ver, porque na realidade ele sem sua pele também é como um coelho esfolado. Thich Nhat Hanh diz que a madeira, que era o meu primeiro exemplo, na realidade é chuva, sol, carbono da atmosfera fixado, muitas coisas e quando nós olhamos a madeira nós não vemos a madeira. Nós não vemos as coisas tais como são porque vemos todo o tempo através do filtro da nossa consciência, conhecimento, experiência, gosto pessoal.
É isso que acontece, por isso talidade é um coisa tão importante porque a talidade é quando somos capazes de olhar uma coisa e vê-la exatamente como é sem mais nenhuma idéia, nem julgamento. Esse é um dos motivos porque nós treinamos tanto, ficar sentado, sem julgar e por isso que a instrução é: seja qual for o pensamento que se apresente na mente de vocês não julguem certo ou errado, bom ou ruim, só deixe que ele vá embora, sozinho. Não o persiga, não goste dele, não cultive bons pensamentos e memórias, não se horrorize com maus pensamentos, para que treinemos uma mente capaz de algum dia ser capaz de ver as coisas sem opiniões.(Comentário de Monge Genshô)


Kanzeon
(Cont.)

De modo que Maha Prajna Paramita significa
que a sabedoria se revelou agora,
não apenas como você, mas como toda a vida,
de tudo.
E nós a estamos vivendo!
E nós somos vividos por ela!
Isso é o que significa mahaprajnaparamita,
e é isso o que o Bodisatva Avalokiteshvara faz.


Neste trecho, há um conceito que originalmente em língua japonesa parece mais claro, que faz mais sentido. Na tradução para o português, assim como para o inglês não faz o mesmo sentido. A pergunta é: nós estamos vivendo ou é a vida que está nos vivendo? De certa maneira nós estamos vivendo, mas de outra maneira mais ampla a vida inteira está nos vivendo. Nós somos apenas parte da vida. Nós é que pensamos que somos especiais, indivíduos que precisam se iluminar para ver as coisas tais como são. Se vocês olharem pela janela e perguntarem, mas e esta árvore ali fora no meio de toda esta floresta ela precisa se iluminar? Não, ela não cogita, não pensa. Ela vive naturalmente. Como ela vive naturalmente nem teme a morte. Ela partilha a existência dela com a floresta. Ela não é indivíduo. É a própria floresta. Quando ela morre dela nascem outras árvores. Ela aduba o solo. Coisas assim acontecem. A floresta é que é o ser, o grande ser e as árvores em si nascendo e morrendo não tem muita importância. Existe um equilíbrio nisso. Nós conseguimos entender isso olhando para a floresta. Nós temos enorme dificuldade para entender olhando para os seres humanos. Quando morre um ser humano nós choramos ou nos entristecemos. Quando nascem nos alegramos, é assim porque nós vemos todos os seres humanos como indivíduos, porque olhamos para nós como separados. Se nós apagássemos esta noção de que somos indivíduos separados, e nos sentíssemos a humanidade, ou mais do que a humanidade, os seres sencientes, ou mais do que os seres sencientes, nos sentíssemos como - a vida; nascimento e morte não teriam mais importância. Por não conseguirmos enxergar assim é que tememos a morte, por isso nós sofremos, ficamos na margem de cá, porque a margem de lá seria a percepção com sabedoria de Prajna Paramita. A percepção da outra margem não tem essas angústias. Porque ela também não tem mais a noção de um eu. Budismo parece muito complicado. Falamos muito, ensinamos muito sobre muitos aspectos filosóficos, mas se nós fossemos resumir o budismo seria com isso – não há um eu. Não há um eu intrínseco a coisa alguma. Se nós conseguíssemos desconstruir esse eu tudo estaria resolvido. (Comentário de Monge Genshô)

No Hannya Shingyo nós lemos

Hannya Shingyo quer dizer o coração do sutra. Quando nós dizemos Sutra do Coração está errado, não é escritura do coração, na realidade o que chamamos de sutra do coração é o coração do sutra. O Prajna Paramita é uma coleção de quarenta sutras que explica a sabedoria, como o sutra do diamante, por exemplo. E o conceito de bodisatva é expresso magnificamente num texto curto que é o Hannya Shingyo que é o coração desses sutras, a essência desses sutras. Como é a essência, o coração do Sutra Prajna Paramita. Maka Hannya Shingyo.(Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: por favor, de que ano e de onde é o sutra?
Resposta: Deve ser do século II, início da era cristã, na Índia. Os sutras Prajna Paramita foram escritos em sânscrito o que já é uma coisa interessante, porque as primeiras escrituras estão expressas em páli e Buda provavelmente falou o dialeto maghada da língua páli, o Cannon inicial foi escrito em páli, a linguagem normal da época. O páli que é uma palatização da língua anterior, uma pronúncia muitas vezes sem r, em páli sutra é sutta, dharma é dama, então o páli já é uma palatização ou seja a língua torna-se mais suave. Uma coisa que vem acontecendo com o português por exemplo, nós dizemos fato mas há 100 anos em português era facto, era conectivo e hoje nós dizemos fato, conetivo. Então, o português vem sofrendo palatização e o páli a mesma coisa em relação ao sânscrito que era a língua mais antiga, a língua mãe. Os Sutras Prajna Paramita, foram escritos em sânscrito porque os budistas tinham se tornado eruditos, tinham universidade etc então a língua mais própria, para escrever era a língua mais nobre, a mais antiga, a língua culta. Então a gente pode bem ver qual é a origem, como o sutra foi escrito? Se foi escrito em páli é uma coisa, se é um sutra escrito em sânscrito, é outra, há ainda sutras escritos em chinês e transcritos para o sânscrito para parecerem mais antigos.

No Hannya Shingyo nós lemos.
Fazendo profundo prajanparamita...
e Dogen Zenji diz, aqui, de uma bela maneira:
Clara visão do corpo inteiro...
...
Como pode o corpo ter visão clara?
...
O corpo inteiro, ele mesmo é a própria visão!
...
O corpo todo é!
Esse tipo de visão não dual
é o que significa transcendente.

Essa questão da dualidade é bastante importante no Budismo Mahayana. No Cânon páli e no budismo mais antigo as coisas são claramente separadas em certas ou erradas. Isso é certo, isso é errado. Isso é bom, isso é ruim. Essa é uma prática com a qual nós começamos, nós temos isso no Zen, quando fazemos a cerimônia de preceitos, o Jukai, usamos os preceitos, nós damos regras claras, não matar, não roubar etc são regras que dizem isto é certo, aquilo é errado. Quando nós chegamos no Budismo Mahayana, Nagarjuna começa a explicitar a questão da não dualidade e da vacuidade. A questão da não dualidade é um passo a mais que diz que não existe esta divisão clara, isso pode deixar alguns budistas confusos, porque de um lado a nossa conduta pode ser classificada em certo, errado, convencionalmente. De forma absoluta é que não se pode dizer isto. No exemplo da árvore que nós estávamos dando no início, eu disse: nascimento e morte para ela não existe, esta é a visão não dual e ela é a própria vida e a vida continua, não nasce nem morre, essa é a visão não dual, mas do ponto de vista convencional nós sabemos esta árvore nasceu e vai morrer.(Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: na linguagem relativa, uma percepção relativa?
Resposta: Sim, do modo relativo é assim mesmo, nasce, morre, estraga, seca, no modo absoluto não, não é assim não tem morte nem nascimento porque nós estamos olhando a floresta e a floresta continua. Lá no topo do morro se forma uma nuvem que estou vendo quando o vento passa e sobe a umidade do ar se condensa e forma-se uma nuvem com gotículas de água. Aquelas gotículas passam para o outro lado, sobem, mas a nuvem está sempre lá no topo do morro porque se tem sempre vento subindo, condensando fica lá a nuvem. Não é a mesma nuvem, mas é a mesma nuvem.

Pergunta: Só trocou as substâncias?
Resposta: Exatamente, você trocou a substância do seu corpo, só que é menos visível na questão da nuvem, mas é isso mesmo.Você perde ferro, ingere ferro, vai trocando as substâncias que estão no seu corpo como a nuvem, então de uma certa forma é o mesmo e não é o mesmo. Em sua substância não é o mesmo, mas na sua manifestação que nós estamos vendo é a mesma pessoa. Essa é a diferença entre relativo e absoluto. Tem um poema famoso chamado Sandokai sobre o relativo e absoluto que nós recitamos freqüentemente em cerimônias também.

Pergunta: Somos nós também parte do fluxo cósmico?
Resposta: Sem dúvida nenhuma.Nós é que pensamos que não somos. Nós é que pensamos que somos eu aqui agora e depois eu nasci e eu vou morrer porque eu estou pensando e olhando e vendo os outros, porque eu estou vendo então é um sonho .Eu estava conversando sobre isso com Saikawa Roshi e eu disse... é um sonho. E ele disse, assim: mas é um sonho tão vívido... porque o que acontece aqui agora, é o nosso sonho de que estamos aqui agora sentados ouvindo uma palestra do Dharma num retiro, é um sonho muito vívido, parece verdade mesmo, parece completamente real, mas na verdade ele só ocorre dentro da nossa mente, dentro do nosso cérebro.
E a pergunta é: mas se se apaga meu cérebro, se eu morro, onde está esse universo? Quem sou eu realmente? No budismo nós queremos responder essa pergunta com uma percepção profunda em vez de ficarmos nos iludindo com histórias de que somos uma alma que vai trocando de corpo ou espírito ou coisa assim, nós queremos atingir essa compreensão profunda do sonho do nosso eu aqui agora e descobrir e perceber que nós não somos essa pessoa que nasceu e vai morrer. Nós não somos estes condenados à morte que estão todos sentados aqui nessa sala e isto é que significa libertar-se da morte também e de todos os apegos e sofrimentos. Esta é a liberdade, entender, alcançar a nossa verdadeira natureza que não é a desse ser que está aqui agora com esse corpo, vivendo o primeiro dia do resto das nossas vidas a cada dia. Esta idéia é bem clara, amanhã começa o resto das nossas vidas. Amanhã é o primeiro dia desse resto. Está terminando e cada dia não se repetirá. É menos um. Mas quem somos nós? Estamos pensando isso, esse fenômeno do nosso cérebro funcionando, essa ilusão que fecha os olhos, dorme e tem outra ilusão, quem somos nós realmente além desse sonho momentâneo? Esta não é uma resposta para ser dada com uma solução de fé. No Zen o monge não vem aqui e diz assim: é assim, acreditem. Não é assim, tentem e descubram através da meditação quem são realmente, porque posso dizer algumas coisas a respeito, mas não posso dar respostas para ninguém, todo mundo tem que ver com os seus próprios olhos e cada um vê com os seus próprios olhos. Quando a gente consegue responder a pergunta “quem é você?” para um mestre, de forma satisfatória, é uma libertação deste papel que estamos representando, é uma solução, é uma realização espiritual libertadora e é isso que a iluminação é – libertação dessa condição de nascimento e morte.

Transcendente.
Não algo a ser transcendido,
mas a vida de cada um de nós é transcendente.
Essa é a vida que estamos vivendo,
e, quando você realmente compreende isso,
significa compreender o que é o todo,
não fica tão difícil,
e vivê-lo também não.
Você compreende que não existe
outro jeito que você possa viver.
Não é algo
que deva tentar realizar
amanhã.

Este prajna e os cem gramas
são sinônimos de Mu-ji e, definitivamente,

Mu-ji é uma referência ao primeiro koan de mumonkan. Mumonkan é uma coletânea de koans e o primeiro é o cachorro de Joshu. Um monge perguntou para Joshu: o cachorro tem natureza búdica? Joshu respondeu: mu. Mu significa nada, não, literalmente.Mas esse koan é resolvido perguntado assim: o que é mu? Onde está mu? Mostre-me mu agora nesta cadeira, mostre-me mu no seu sapato. (Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: Mu significa nada não?
Resposta: Literalmente, nada não. Mu é uma partícula negativa. Há muitas considerações. O comentário no Mumonkan diz: se você resolver esse koan ganhará uma grande espada e com ela você poderá cortar a cabeça do seu mestre e de todos os patriarcas. Este é o estado de libertação também.

Kannon Bodisatva também é,
como são cachorros e gatos
e nós mesmos.
Aqui e agora,
quero que vocês realmente apreciem a si mesmos
como Bodisatva Avalokiteshvera.
Vocês fazem shikantaza?Isso é ótimo.

Shikantaza é o que estamos fazendo, apenas percebendo, apenas sendo junto com todas as coisas.(Comentário de Monge Genshô)

É koan?Isso é ótimo.
Seja quem você for
ou o que quer que faça,
você pode apreciar sua vida como
Bodisatva Avalokisteshvera.

Dogen Zenji diz, no Bendowa
mesmo que uma pessoa sente
em shikantaza, zazen,
imprimindo o selo de Buda sobre
corpo e boca e mente,
todo céu, todo o espaço,
em outras palavras, o universo inteiro,
tudo se torna o selo de Buda.

O que ele está tentando dizer é que se sentamos em shikatanza, colocamos o selo de Buda em todas as coisas. Então, elas todas manifestam o absoluto, porque se sentamos e percebemos sem julgamento, as coisas podem mostrar a sua talidade, porque o que nos impede de ver a talidade é nossa opinião. Por isso é tão fácil ver o estado dos alunos quando eles se manifestam, porque a manifestação tem ou não tem ego, quanto tem de ego, quanto é desejo de aparecer, opinião, quanto é eu, fica fácil.Uma vez estava com um grupo de alunos do Zen e pedi que cada um falasse sobre a sua experiência, eles falaram, alguns de forma bem bonita. Mas um disse: eu precisava dar uns comunicados sobre coisas que estava fazendo para a Sangha, falou e calou. Eu pensei: que mente maravilhosa, porque quando pedimos para ele falar ele não estava pensando nele, ele estava pensando na comunidade, então naturalmente da sua boca saiu o que ele estava fazendo e não deu nenhuma opinião pessoal. Ele realmente mostrou sem querer uma qualidade.(Comentário de Monge Genshô)

Qualquer coisa, todas as coisas são uma manifestação
de Mahavairochana Buda.

Maha vocês sabem é grande, Vairochana é um dos Budas transcendentes, Buda de sabedoria normalmente é apresentado fazendo gesto de sabedoria. Literalmente Mahavairochana quer dizer como um sol. Aqui é bem uma questão etnocêntrica. A gente fala Mahavairochana Buda e as pessoas dizem: quem é este Buda? Como é a estátua dele? Eu sou devoto de Mahavairochana Buda, por exemplo. Ele é apenas um dos aspectos de manifestação de Buda, não é um ser em particular.(Comentário de Monge Genshô)

Isso é Mu-Ji.
Isso é dharmakaya.
Por isso é que entoamos
puro darmakaya Vairochama Buda.
Nós não estamos apenas balbuciando palavras.
Elas têm implicações muito claras!
Darmakaya, isto é, Um.

Darmakaya é toda essa manifestação absoluta. É darmakaya se manifestando e esse é também um dos aspectos de Buda. Nós recitamos na oração das refeições – Darmakaya Vairochana Buda.(Comentário de Monge Genshô)

E Mu parece ser
o Buda Mahavairochana,
e Mahavairochana Buda parece ser
uma centena de gramas,
e cachorros também.

É por isso que Dogen Zenji diz, no Fascículo de Kannon, que o
Bodisatva Avalokiteshvara
É o Tatagata com o nome de Sho-Bo-Myo,
Iluminação do Darma Correto.

E de fato, todos vocês
tem a sabedoria e compaixão de Kanzeon.
Isso é o que apreciamos juntos
e fazemos mais e mais iluminados.
Iluminados, não de um modo brilhante, pomposo,
mas iluminados através da nossa ação!
A maneira como fazemos uma reverência,
a maneira como fazemos gassho,
a maneira como andamos,
a maneira como servimos.

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