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quinta-feira, 28 de maio de 2009

Cosmos

O Cosmos

“A um rio que tudo arrasta, todos chamam de violento; mas ninguém chama violentas as margens que o aprisionam há séculos.” Bertolt Brecht

No Colégio Santa Dorotéia, sempre fui o primeiro lugar de todos os torneios de redações do colégio inteiro, mesmo dos graus superiores ao meu. É que sempre consegui me expressar melhor por meio da palavra escrita e não da falada. A fala, assim como todos os atos, dominada pela mente, por alguma motivação e pelas emoções aflitivas arrisca uma compreensão errônea, um julgamento posterior confuso e ardiloso por meio do ouvinte que depois a destorce e usa para jogar contra nós! A escrita está registrada e documentada!

Nas minhas lembranças mais remotas que remontam ao berço, fui uma criança cerceada, visada, vigiada, controlada e recriminada. As palavras ásperas e rudes ressoam no meu ouvido até hoje. Quando as escuto, causam-me um mal-estar interior e só depois de adulta, ou direi, velha, consegui compreender a causa desta repulsa apesar de ainda me estremecer.

Meus pais como todos os pais do mundo, queriam que a sua filha brilhasse. Não brilhei!

Minha avó materna é a única pessoa de quem tenho lembrança tranqüila. Falava baixo, manso e conseguia desta maneira que eu comesse todo alimento sem pressionar-me. Não contava estórias. Levava-me a colher flores, o cosmos que grassava nos matos ao redor da casa dela. Morreu antes que eu completasse oito anos.

Às vezes, ponho-me a pensar: se ela tivesse sobrevivido até a minha idade mais adulta, teria eu julgamentos discriminativos sobre ela? Então, passo a perceber essa morte prematura como uma bênção para a minha lembrança, diria eu, macia e suave. Minha filha, que já conta trinta e um anos e ainda tem minha mãe viva analisa-a e a seus atos.

Nunca tive um irmão ou irmã com quem pudesse contar como amigo. Pelos caprichos da vida, fui a primeira filha mulher tendo um irmão mais velho que, agora julgo eu, talvez tenha se sentido enciumado pela minha presença de menina cheia dos vestidos rendados e bordados. Ah, se ele pudesse imaginar como estas vestimentas me apertavam, arranhavam e incomodavam! Quatro anos e meio depois, nasce outro homenzinho. Só depois dos meus oito anos é que veio outra menina, depois outra e depois um menino.

Nada sei dos meus irmãos. Não conheço seus pensamentos. Não me lembro de ter um momento tranqüilo do tipo “jogar conversa fora” com nenhum deles. Fiquei isolada deles, como num limbo.

Na adolescência, fui tornando-me retraída, ensimesmada, trancada. Esse comportamento complicou minha situação e fui novamente taxada de esquisita, nervosa, estranha, de espírito difícil. As pessoas falam. Essa fama correu a família inteira, chegando até aos tios, primos, sobrinhos, cunhadas e outros agregados. Talvez eu seja mesmo uma mulher alterada, a ovelha negra da família.

Quando eu contava dezoito anos perco meu irmão caçula num acidente de carro. Não tendo passado no vestibular e ficando sem o tempo do colégio, comecei a trabalhar muito cedo e encontrei o homem que seria meu marido e pai dos meus filhos vida afora.

Aí, já é outra estória. Mas a relação com minha família de berço e infância já estava estragada. Jamais consegui resgatá-la porque meus pais e irmãos não gostam de ler e eu sempre consegui me expressar melhor por meio da palavra escrita e não da falada.

Por isso tornei-me budista, tomei refúgio no Buda, no Dharma e na Sangha, as Três Jóias e leio os livros dos lamas e monges cujas palavras me acalmam a mente.

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Um comentário:

Mallika disse...

A solidão, a tristeza, o abandono, o desamor que os adultos nos têm quando somos crianças, ou mesmo, quando não é real e nós o sentimos assim, acompanhamos em cada instante de nossa mocidade, de nossa maturidade de nossa velhice.
Mesmo se amadas não nos percebemos como tal e sentimos infinita solidão.
Contudo, em nosso mundo tudo tem dois lados.
Somos nós que conversávamos com nossos cães e gatos e imaginávamos como seria bom viver realmente sozinhas, que um dia seriamos felizes realmente, que criamos uma alma sensível as letras e a poesia, aos contos e crônicas, as criticas e elogios. E então, somos admiradas por muitos que não conhecemos, mas, que dividem conosco nossas experiências.

Sejamos felizes!

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