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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Entrevista: Robert Barnett sobre "Por quê os tibetanos estão se ateando fogo"

Robert Barnett
No início desta semana um monge tibetano tornou-se a 22a pessoa, nos últimos 12 meses, a cometer auto-imolação em protesto às regras do governo chinês no Tibete. Robert Barnett, diretor do Programa de Estudos Modernos do Tibete na Universidade de Columbia, diz que este é um novo tipo de protesto político dos tibetanos, que poderá se tornar uma forma contínua de dissidência, caso o governo chinês não altere algumas das suas políticas na região.

Ásia Blog falou com Barnett por telefone.

Por que os monges e monjas decidiram usar esta forma particular de protesto contra o governo chinês?

As razões pelas quais optaram por este método de protesto não são exatamente claras. As pessoas dentro do Tibete, especialmente em áreas rurais, podem ocasionalmente acessar notícias de rádio em tibetano a partir de fontes externas, como a Voice of America e Radio Free Ásia, mas provavelmente conhecem pouco ou nada sobre a auto-imolação de um tunisiano no ano passado, muito menos sobre as auto-imolações vietnamitas há 50 anos atrás. Mas devem ter ouvido falar sobre as manifestações que levaram à Primavera Árabe, e isso pode ter incentivado as pessoas, de um modo geral, a ver o protesto popular como uma forma de trazer mudanças.

Mas eles podem ter escolhido esta forma de protestos, porque no ciclo anterior de instabilidade no Tibete em 2008, quando ocorreram cerca de 150 manifestações de rua por grupos muito grandes, cerca de 20 desses incidentes formaram uma espiral em direção ao caos e violência. A violência permitiu que o governo chinês evitasse abordar as questões subjacentes e reclamações dos manifestantes. A auto-imolação pode estar sendo vista como uma forma de evitar a desvantagem de formas tradicionais de protestos de rua em grande escala: envia uma mensagem para o governo de uma maneira que os manifestantes esperam que não seja facilmente deixada de lado, porque não causa danos a outras pessoas ou bens, e não envolve agitação.

Os protestos em geral clamam por "liberdade" e pela autorização para que o Dalai Lama possa regressar ao Tibete. Parecem ter sido desencadeados por uma virada dramática na política em 1994, quando o Estado chinês decidiu centrar-se sobretudo em atacar o Dalai Lama, forçando os monges e monjas a denunciá-lo, e intensificar controles relativos aos mosteiros e à religião. Esta política foi implementada inicialmente na Região Autônoma do Tibete, que é a metade ocidental do planalto tibetano em torno de Lhasa, mas nos últimos 10 anos, foi sendo imposta, mosteiro por mosteiro, em toda a metade oriental do planalto, onde vive a maioria dos tibetanos e onde os protestos atuais estão ocorrendo. Essa política inclui programas de reeducação nos mosteiros, proibições de culto ao Dalai Lama, minimização do papel da língua tibetana nas escolas, incentivo à migração de chineses para as áreas tibetanas, e outras restrições. Ninguém sabe por que eles decidiram estender essa política para a região leste do Tibete, uma vez que até então se mantinham relaxados e pacíficos, desde 1970.

Existe alguma tradição relativa a esse tipo específico de protesto na cultura budista?
A imprensa chinesa tem defendido que estes protestos violam os princípios e regras budistas , mas na verdade, estão em forte ressonância com a tradição budista. Suicídio é evitado no budismo, se realizado por motivos pessoais, mas o auto-sacrifício por uma causa nobre é altamente respeitado. Existem muitas histórias sobre o Buda fazendo isso em vidas anteriores; a mais famosa é aquela em que ele se sacrifica, dando seu corpo para uma tigresa à beira da morte para que ela pudesse alimentar seus filhotes. Assim, um ato que é feito para o bem da comunidade é considerado nobre, especialmente se for feito por um membro do clero.

É por estes atos estarem sendo feitos por monges, monjas ou ex-monges, que tem sido tão difícil para o governo chinês desacreditar os manifestantes - o que seria muito diferente se leigos estivessem envolvidos. O governo teve sucesso quase total em desacreditar cinco chineses, declarados pelo governo como sendo seguidores da seita Falun Gong, que realizaram uma auto-imolação em massa em Pequim, em 2001: o evento foi apresentado como prova de que essas pessoas tinham sofrido lavagem cerebral e eram manipuladas pelo Falun Gong. Mas apesar de algumas tentativas por parte da imprensa chinesa de fazer isso com os monges e monjas tibetanos, esses esforços fracassaram, em grande parte por serem tão amplamente respeitados dentro da comunidade tibetana.

Por que as duas partes não conseguem encontrar uma base comum para governar o Tibete?

Uma maneira de entender a questão tibetano-chinesa é olhar a questão do seu status, se o Tibete deve ou não ser parte da China, ou, sendo uma parte da China, que grau de autonomia deveria ter. Esta é uma questão que remonta pelo menos 100 anos, quando o exército chinês tentou pela primeira vez anexar o Tibete e integrá-lo ao território chinês. É algo que provavelmente levará muito tempo para ser resolvido.

Mas há uma segunda questão que é facilmente confundida com a primeira, que são as políticas que a China introduziu mais recentemente, em especial a decisão de 1994 de declarar o Dalai Lama como um inimigo, e outras questões que foram ao mesmo tempo intensificadas, como a reeducação, o uso da linguagem, e desenvolvimento econômico mais rápido. Há questões mais recentes emergindo agora, especialmente questões relacionadas com o ambiente, como o assentamento forçado de nômades e a mineração desenfreada. Como esses fatores secundários não estão gravados em pedra e estão constantemente assumindo novas formas, representam uma espécie de oportunidade para a China, e poderiam ser revertidos com bastante facilidade. Se fizessem isso, seria gerado algum alívio e teriam mais tempo para tentar resolver as principais questões referentes a autonomia e status. Não houve ainda sinal de qualquer movimento até o momento sobre estas questões secundárias. A China tem um sistema de liderança fraco e altamente conservador, baseado no consenso, o que torna muito difícil para os líderes chegar a um acordo sobre uma jogada ousada, relativa a uma questão fundamental de soberania e orgulho nacionais, de modo que quaisquer concessões serão muito discretas.

Existe alguma previsão sobre quando estas auto-imolações chegariam ao fim?

A China se vê como tendo sido sempre generosa para os tibetanos, pelo menos desde o início de 1980, devido aos grandes programas de subsídios para impulsionar o desenvolvimento econômico em áreas tibetanas, e porque vê os protestos como iniciativas do Dalai Lama e exilados, destinadas a "dividir "a China, através da criação de um Tibete independente. Os exilados negam isso, mas ao mesmo tempo usam uma retórica nacionalista muito forte, como seria de se esperar. Assim, embora uma solução negociada entre as duas lideranças não possa ser descartada, parece improvável na situação atual.

Enquanto isso, os tibetanos orientais, cuja ira já foi despertada, são resolutos e de temperamento forte, com uma memória longa e amarga dos vários ataques chineses em suas regiões e mosteiros durante todo o século passado, e eles defendem seus valores fundamentais. Assim, as tensões atuais não vão desaparecer sem alguma concessão do Partido. Essa concessão não precisaria ser muito grande para que as pessoas decidissem não se matar - tibetanos, mesmo os ativistas dentro do Tibete, são surpreendentemente moderados na maioria dos casos e geralmente pragmáticos; por isso, mesmo um gesto simbólico por parte do Estado teria um impacto significativo. Por exemplo, o Partido poderia cessar a reeducação política forçada e poderia parar sua campanha de demonização contra o Dalai Lama - políticas que não foram aplicadas no interior da China por décadas - e poderia regular a migração interna para o Tibete, como faz com Hong Kong. Se não o fizerem, as tensões aumentarão, e se mais pessoas forem mortas, as coisas poderão sair do controle e se tornar muito difíceis de resolver de forma significativa.

Foi relatado que nas últimas auto-imolações, mil pessoas cercaram o corpo para protegê-lo da polícia. Por que eles fazem isso?
Na cultura tibetana, quando alguém morre, o corpo deve ser perturbado tão pouco quanto possível logo após a morte. São realizados cerimônias e rituais especiais, na esperança de que a consciência se acalme, havendo assim uma melhor chance de um renascimento mais benéfico. Mas, como em qualquer religião, existem muitos níveis de explicação. Por exemplo, em geral, há uma visão que é importante dispor do corpo de forma adequada, como torná-lo alimento para aves ou peixes, uma vez que este é um tipo de generosidade, em lugar do método de cremação secular utilizado pelo Estado chinês. Neste caso, essas auto-imolações são claramente vistas pela comunidade local, não como um suicídio por um indivíduo desesperado, mas como um ato de dedicação para o benefício dos outros; por essa razão, as pessoas locais querem demonstrar respeito à pessoa morta, assegurando que os rituais sejam efetuados pelo clero. Portanto, há muitos fatores, além dos objeções à confiscação do corpo pela polícia.

Tradução livre de Jeanne Pilli

http://asiasociety.org/blog/asia/interview-robert-barnett-why-tibetans-are-setting-themselves-fire

 Facebook por Tibetíze-se, segunda, 27 de Fevereiro de 2012 às 11:46 ·

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