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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Tempo de não-visitar

"Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.Ninguém avisava nada, o costume era chegar de pára-quedas mesmo. E os  donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se  apresentando, um por um.
Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia. 
Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... Casa singela e acolhedora. A nossa também era assim. Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo
benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:
Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... Tudo sobre a mesa. Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... Até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
Vamos marcar uma saída!...  ninguém quer entrar mais. Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.Casas trancadas. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da
 manteiga, dos biscoitos do leite... Que saudade do compadre e da comadre!"

José Antônio Oliveira de Resende
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa
Departamento de Letras, Artes e Cultura
Universidade Federal de São João del-Rei.

4 comentários:

Rony New Spirit 1965 disse...

Bom dia, sempre que visito seu blog viajo no tempo, os bons tempos que não voltam mais. Como neste texto, tbm viví essa época...quando pequeno meus pais faziam estas visitas surpresa, minha mãe sempre levava algo de comer,...bolo, pão de ló, biscoitos feito em casa e tomávamos chá e refresco de amora a gente não ficava ouvindo conversa de adulto nem podiamos...então iamos pro terreiro brincar de correr...pega pega...esconde esconde...pular corda, há como era bom. Gostei da colcha de retalhos, parabéns...felicidades.

Maria José Rezende de Lacerda disse...

Este espaço é sempre maravilhoso. Estar aqui é sempre um enorme prazer. Beijos e um ótimo final de semana.

AugustoCrowley disse...

Concordam com os dois comentarios, tempos bons que nao voltam.Que prazer visitar seu blog, esse post me fez ate sentir o cheiro dessa mesa alegre que unia as pessoas, e que infelizmente e muito raro no mundo de hoje.
Um otimo fim de semana, e quando puder me visita:
http://senhordavidatarot.blogspot.com/

Padma Lodrön disse...

Que bom que vocês gostaram! Mas eu só copiei uma mensagem que me chegou por e-mail e que, por sua vez, também foi copiada. O autor é desconhecido. Mas já vale mexer na saudade dos corações das pessoas...

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