O primeiro inimigo não seria nosso próprio corpo? É isto mesmo. Vamos pensar juntos.
Basta prestar atenção ao que dizem os jornais, as revistas, o radio e a tv. Temos um corpo absolutamente errado. Após 140 mil anos de adaptações, algumas muito provavelmente bastante difíceis, o homem moderno, ocidental, que tem o pensamento da ciência fundamentada no consumo nos dá a clara lição: nosso corpo é um erro.
Por faltar anti depressivos em nosso organismo ficamos tristes. Se faltar remédios para o colesterol ele sobe e quer trancar as artérias do coração e nos matar. Se faltar antibióticos pegamos infecções. Se faltar medicamentos para a febre, podemos nos descobrir com temperaturas elevadas. Se faltar anti-concepcionais engravidamos. Se faltar anoréticos comemos demais e engordamos. Se faltar viagra falta boas ereções. Se faltar ritalina as crianças são hiperativas. Se faltar valium ficamos ansiosos. Se faltar isoflavonas e hormônios artificiais as mulheres da menopausa ficam cheias de problemas. Se faltar flúor ficamos com cáries. Se faltar antiinflamatórios ficamos com reumatismo, dores nas costas, bursites, tenditines e dor em todo o lugar do corpo.
A lista é riquíssima. O canal de parto é um equívoco na raça humana, e graças Deus temos a cesariana. A mamas estranhamente dão leite para os filhos de todos os mamíferos, mas entre os humanos isto só ocorre se as mulheres da espécie são lembradas para tal. Assim se a cirurgia plástica feita muito cedo pode impedir a amamentação, isto não é problema, pois em nosso espécie a mama é ornamento erótico, para um sexo que não foi feito para gerar filhos. Aliás quem sabe num futuro bem próximo os filhos sejam gerados apenas em laboratório, assim todo o equipamento reprodutor seria algo desnecessário e até comprometedor pois expõe os humanos à injustos cânceres. Se a pessoa é muito obesa que se corte o estômago. Se o útero, os ovários, as amígdalas, as adenóides, a tireoide, as mamas, a vesícula, o baço, o apêndice está mal... que se tire do corpo. Se o coração ficou muito fraco que se troque por outro. Se o fígado está fraco que se troque de fígado.
Não há dúvida o ser humano, iluminado, boníssimo, generoso, amoroso, integrado com a natureza de maneira tão bela não merece este corpo humano tão fajuto, não é mesmo?
Há um conto interessante. Havia em algum lugar uma aldeia em que todos os seus habitantes usavam bengalas para facilitar o caminhar. Quando começavam a se erguer recebiam pequenas instrumentos de madeira que se transformariam mais tarde em fundamentais bengalas. Assim todos os primeiros passos eram amparados e garantidos em seu sucesso com este maravilhosos instrumento. E assim era para ser... Uma vez, um jovem da tribo se afastou demais de um grupo de homens que estava na floresta próxima e se viu sozinho. Desafortunadamente, uma fera, um felino predador o percebeu solitário e foi para cima do jovem, que imediatamente começou a correr. Entretanto para seu desespero, ele cai e quebra sua bengala. Por instinto se levanta e tenta andar e correr. E como correu. Foi suficientemente hábil para escapar do fim que parecia inevitável. Feliz, retorna à aldeia, e festivamente brada: "Vocês não podem acreditar. Perdi minha bengala, mas descobri que fiquei mais rápido sem ela. Consegui escapar de uma fera. E tenho certeza que todos aqui podem, facilmente aprender a fazer isto!" Os líderes supremos ficaram furiosos. "Você está é louco! Onde já se viu uma pessoa normal sem bengalas!!!" "Ou você retorna a usar uma linda e necessária bengala ou ficará preso juntos dos loucos, ou quem sabe dos criminosos desta terra" "Aqui só podemos tolerar os que usam bengalas, pois são estas pessoas que geram a riqueza e a estabilidade de nossa comunidade!" "Volte à normalidade e deixe tudo como está!"
A nossa nova normalidade pressupõe que nós devemos utilizar, que nós devemos acreditar piamente em tudo que o sistema nos oferece. E com certeza ele nos oferece toda a parafernália de instrumentos, medicamentos, alimentos e intervenções corporais que melhoram nossa saúde! Apesar de cada haver mais gente doente na terra, apesar de cada vez mais gente morrer dos medicamentos e técnicas terapêuticas, por algum motivo somos levados a crer que o que existe agora é o melhor! E o corpo inimigo é o maior gerador de consumo nestes tempos modernos...
Ironias a parte, o que parece mesmo é que nossa cultura, nossa formação social, nos colocou numa situação peculiar de confronto permanente com o nosso corpo físico. E o mais impressionante é ver como as pessoas não têm idéia de porque adoecem. Elas acreditam que isto independe de suas histórias pessoais, seus decisões, seus modos de vida, seus empregos e suas maneiras de entenderem a existência.
Estamos no século XXI, e após todo o sofrimento que a falta de amor, as guerras, a fome, a injustiça, a violência, o autoritarismo, a insensibilidade já impôs ao ser humano, apesar de toda a história conhecida ainda festejamos a descoberta da rosa azul transgenica, o computador cada vez mais rápido e o celular que toca musica e vê vídeos, mesmo sem conseguir evitar que uma criança na esquina de nossas ruas passe fome. Muito menos que outras morram de fome. E menos ainda que morram em guerras que não são delas.
A evolução tecnológica não qualificou um milímetro a nossa integração com a natureza, nossa compaixão e a nossa capacidade de amar.
Ela, absolutamente, não gera mais humanidade. Em algum lugar do passado nos esquecemos do principal...
(José Carlos Brasil Peixoto, 29-09-2004)
Basta prestar atenção ao que dizem os jornais, as revistas, o radio e a tv. Temos um corpo absolutamente errado. Após 140 mil anos de adaptações, algumas muito provavelmente bastante difíceis, o homem moderno, ocidental, que tem o pensamento da ciência fundamentada no consumo nos dá a clara lição: nosso corpo é um erro.
Por faltar anti depressivos em nosso organismo ficamos tristes. Se faltar remédios para o colesterol ele sobe e quer trancar as artérias do coração e nos matar. Se faltar antibióticos pegamos infecções. Se faltar medicamentos para a febre, podemos nos descobrir com temperaturas elevadas. Se faltar anti-concepcionais engravidamos. Se faltar anoréticos comemos demais e engordamos. Se faltar viagra falta boas ereções. Se faltar ritalina as crianças são hiperativas. Se faltar valium ficamos ansiosos. Se faltar isoflavonas e hormônios artificiais as mulheres da menopausa ficam cheias de problemas. Se faltar flúor ficamos com cáries. Se faltar antiinflamatórios ficamos com reumatismo, dores nas costas, bursites, tenditines e dor em todo o lugar do corpo.
A lista é riquíssima. O canal de parto é um equívoco na raça humana, e graças Deus temos a cesariana. A mamas estranhamente dão leite para os filhos de todos os mamíferos, mas entre os humanos isto só ocorre se as mulheres da espécie são lembradas para tal. Assim se a cirurgia plástica feita muito cedo pode impedir a amamentação, isto não é problema, pois em nosso espécie a mama é ornamento erótico, para um sexo que não foi feito para gerar filhos. Aliás quem sabe num futuro bem próximo os filhos sejam gerados apenas em laboratório, assim todo o equipamento reprodutor seria algo desnecessário e até comprometedor pois expõe os humanos à injustos cânceres. Se a pessoa é muito obesa que se corte o estômago. Se o útero, os ovários, as amígdalas, as adenóides, a tireoide, as mamas, a vesícula, o baço, o apêndice está mal... que se tire do corpo. Se o coração ficou muito fraco que se troque por outro. Se o fígado está fraco que se troque de fígado.
Não há dúvida o ser humano, iluminado, boníssimo, generoso, amoroso, integrado com a natureza de maneira tão bela não merece este corpo humano tão fajuto, não é mesmo?
Há um conto interessante. Havia em algum lugar uma aldeia em que todos os seus habitantes usavam bengalas para facilitar o caminhar. Quando começavam a se erguer recebiam pequenas instrumentos de madeira que se transformariam mais tarde em fundamentais bengalas. Assim todos os primeiros passos eram amparados e garantidos em seu sucesso com este maravilhosos instrumento. E assim era para ser... Uma vez, um jovem da tribo se afastou demais de um grupo de homens que estava na floresta próxima e se viu sozinho. Desafortunadamente, uma fera, um felino predador o percebeu solitário e foi para cima do jovem, que imediatamente começou a correr. Entretanto para seu desespero, ele cai e quebra sua bengala. Por instinto se levanta e tenta andar e correr. E como correu. Foi suficientemente hábil para escapar do fim que parecia inevitável. Feliz, retorna à aldeia, e festivamente brada: "Vocês não podem acreditar. Perdi minha bengala, mas descobri que fiquei mais rápido sem ela. Consegui escapar de uma fera. E tenho certeza que todos aqui podem, facilmente aprender a fazer isto!" Os líderes supremos ficaram furiosos. "Você está é louco! Onde já se viu uma pessoa normal sem bengalas!!!" "Ou você retorna a usar uma linda e necessária bengala ou ficará preso juntos dos loucos, ou quem sabe dos criminosos desta terra" "Aqui só podemos tolerar os que usam bengalas, pois são estas pessoas que geram a riqueza e a estabilidade de nossa comunidade!" "Volte à normalidade e deixe tudo como está!"
A nossa nova normalidade pressupõe que nós devemos utilizar, que nós devemos acreditar piamente em tudo que o sistema nos oferece. E com certeza ele nos oferece toda a parafernália de instrumentos, medicamentos, alimentos e intervenções corporais que melhoram nossa saúde! Apesar de cada haver mais gente doente na terra, apesar de cada vez mais gente morrer dos medicamentos e técnicas terapêuticas, por algum motivo somos levados a crer que o que existe agora é o melhor! E o corpo inimigo é o maior gerador de consumo nestes tempos modernos...
Ironias a parte, o que parece mesmo é que nossa cultura, nossa formação social, nos colocou numa situação peculiar de confronto permanente com o nosso corpo físico. E o mais impressionante é ver como as pessoas não têm idéia de porque adoecem. Elas acreditam que isto independe de suas histórias pessoais, seus decisões, seus modos de vida, seus empregos e suas maneiras de entenderem a existência.
Estamos no século XXI, e após todo o sofrimento que a falta de amor, as guerras, a fome, a injustiça, a violência, o autoritarismo, a insensibilidade já impôs ao ser humano, apesar de toda a história conhecida ainda festejamos a descoberta da rosa azul transgenica, o computador cada vez mais rápido e o celular que toca musica e vê vídeos, mesmo sem conseguir evitar que uma criança na esquina de nossas ruas passe fome. Muito menos que outras morram de fome. E menos ainda que morram em guerras que não são delas.
A evolução tecnológica não qualificou um milímetro a nossa integração com a natureza, nossa compaixão e a nossa capacidade de amar.
Ela, absolutamente, não gera mais humanidade. Em algum lugar do passado nos esquecemos do principal...
(José Carlos Brasil Peixoto, 29-09-2004)
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